segunda-feira, 22 de setembro de 2008

Artigo: Errar é humano. E roubar, é?, por Luiz Ernesto Cabral Pellanda*

E isto não impediu São Dimas, o bom ladrão, de subir aos céus junto com o Cristo, segundo testemunho dos evangelistas. Ladrão que rouba ladrão, cem anos de perdão! sempre foi a desculpa de todos os Robin Hood da vida, inclusive dos traficantes cariocas ouvidos em reportagem e que se autojustificam por vender drogas para os ricos, com o que estariam amenizando a pobreza da favela. Corrupção e roubalheiras estão na ordem do dia aqui e em todo o mundo. De repente, uma notícia na direção oposta: um ladrão devolve um carro porque havia uma criança dentro. O momento favorece uma reflexão sobre a ética do convívio entre seres humanos: até que ponto esses pretensos fins justificam os meios empregados?

Do ponto de vista capitalista, eles entram na equação de perdas e ganhos da produção: produtos baratos no informal, enquanto a camada mais abonada simplesmente repõe os bens roubados. A simples existência deles, ladrões, mobiliza uma quantidade de profissionais, inclusive de seguradoras, como a que agorinha foi socorrida pelo governo americano porque vencida pelos larápios de colarinho branco que emprestaram o que não tinham. Isto leva a uma questão complicada: até onde seria qualificável como genocídio o desvio de verbas da saúde, ou de outros dinheiros públicos, aqui ou lá, tomados “como se fossem de ninguém”?

Mas o que nos comove hoje foi a presença dessa ética humana de amor por uma criança que nosso ladrão de Passo Fundo revelou ter e que, aparentemente, faltou à mãe e ao padrasto. Ainda que matar seja tomado com tanta indiferença em certos meios a ponto de parecer que também matar “é humano”, ou que o filicídio seja endêmico em certos povos, na verdade matar ainda é coisa do animal selvagem que existe em nós. Dependendo de onde situamos o início da “civilização” ela tem 5, 10 ou 15 mil anos. Mas isto é nada, diante dos milhões de anos de evolução do Homo sapiens, ainda “demasiado animal”. Há “apenas” 2 mil anos, achava-se perfeitamente aceitável fazer um cristão lutar contra leões nas arenas de Roma. Hoje se falsifica carteira de motorista em Porto Alegre ou leite em pó na China. Que importa se uns quantos vão morrer?

Mas, quanto mais humanos nos fazemos, mais o estatuto do amor predomina. Quem sabe um dia poderemos dispensar ladrões e policiais e viver em paz uns com os outros. A esperança é a última que morre.

*Psicanalista, membro efetivo da Sociedade Psicanalítica de Porto Alegre

Zero Hora.

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