terça-feira, 16 de setembro de 2008

Artigo: Artigo 224, "a", do código penal: Presunção de violência relativa?

A presunção de violência do artigo 224, "a", do Código Penal, tem como fundamento básico a proteção à inocentia consilii, ou seja, tutelar quem não possui capacidade de autodeterminação sexual e, portanto, consentimento válido.

Doutrina e jurisprudência já se pacificaram no sentido da relatividade dessa presunção. Ocorre que vários entraves lhe foram opostos, a ponto de essa relatividade tornar-se, na prática, absoluta, pois exige-se a prova de que a "vítima" fosse, antes do fato, totalmente corrompida ou uma prostituta de portas abertas, situações, estas, extremadas. Raras não são, em face dessas evidências, as condenações de jovens que mantiveram contatos sexuais com suas namoradas ou com parceiras esporádicas.

Não defendo a extinção dessa ficção jurídica, apenas creio que ela deva ser tratada como realmente é, ou seja, relativa, e, ainda, aplicada dentro da atual realidade social.

Foi-se o tempo em que adolescentes de até 14 anos não possuiam experiência em matéria de sexo, não podendo, pois, autodeterminar-se. A televisão, como meio de comunicação de massa mais poderoso, bombardeia-os diuturnamente com informações, conceitos e imagens sobre sexo, fazendo com que descubram a sua sexualidade muito antes do que no passado. Hoje, para se ver sexo, basta ligar a televisão a qualquer hora do dia ou da noite.

O sexo tornou-se algo comum, sendo discutido com amplitude em casa, no colégio, nas rodas de amigos, em suma, em todos os lugares, e só excepcionalmente alguém se vê distante dessa realidade. O mundo tranformou-se, e apenas os desavisados não se aperceberam de tal fato, deixando de acompanhar a mudança. A inocência de ontem não é a mesma inocência de hoje.

Pois bem, se a presunção de violência visa a tutelar o bem jurídico inocentia consilii, não há explicação para o fato de incidir onde este bem não mais exista, onde a "ofendida" tenha plena capacidade de autodeterminar-se sem ser "prostituta de portas abertas" e, nas palavras do eminente juiz Márcio Bártoli, na Ap. Criminal nº 93.117-3, "continuar-se aplicando o mesmo direito penal de 50 anos atrás, sob o pretexto de 'proteger' a liberdade sexual das pessoas". Inexiste razão para se punir alguém pela vontade de outrem, que possui pleno entendimento de aderir a um convite sexual, sobretudo com os nefastos efeitos da severa interpretação dada à norma.

Em suma, os juízes devem ficar atentos às transformações sociais, mantendo as cabeças abertas e imunes a preconceitos, decidindo de acordo com a realidade e não apenas com valores ultrapassados, que efetivamente não realizam a justiça.

Sobre o assunto: Ap. Criminais nºs 125.672-3; 73.410-3; 97.827-3; 89.443-3; 170.642-3; 125.672 e 128.410-3.

Vinicius de Toledo Piza Peluso, Bacharel em Direito pela Unip

PELUSO, Vinicius de Toledo Piza. Artigo 224, a, do Código Penal : presunção de violência relativa. Boletim IBCCRIM. São Paulo, n.38, p. 08, fev. 1996.

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