terça-feira, 30 de setembro de 2008

Artigo: América Latina e a redução da sua violência endêmica

Na Conferência internacional de Genebra - realizada dia 12/9/08, por iniciativa da ONU (Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento) e do Governo suíço -, uma vez mais foi discutida e debatida a violência endêmica espalhada pelo mundo, mas sobretudo na América Latina. Seus indicadores econômicos são favoráveis (cerca de 5% de crescimento a cada ano, em média), a inflação foi controlada, mas em matéria de corrupção e violência poucas políticas tiveram progresso (ou sucesso).

De acordo com o El País de 10/9/08, p. 8, a América do Sul e a América Central "são as regiões do mundo mais castigadas pela violência armada, com quatro vezes mais mortes por esta causa que a média mundial".

São cerca de 740.000 mortes anuais no mundo, em razão da violência armada.

Muitas dessas mortes decorrem de guerras (um terço). Os outros dois terços (mais ou menos 490 mil pessoas por ano) são assassinatos que ocorrem de forma brutal. Desse total, algo próximo de 10% acontece no Brasil, que ostenta uma das cifras mais preocupantes do mundo: 29 mortes para cada 100 mil pessoas.

Falta de uma política atuante em educação e o excesso de violência são os dois males que mais assolam a nossa região (no momento). Sem educação não há prosperidade econômica que se sustente. Essa situação é agravada pela violência endêmica, que representa um alto custo para todos os países (7,7% do PIB, nos países da América Central). No Brasil calcula-se que esse custo gira em torno de 10% do PIB (Ipea).

Para a Organização Panamericana da Saúde a proporção "normal" da violência se situa entre zero e cinco assassinatos para cada 100 mil habitantes. A partir de dez mortes, configura-se uma "situação epidêmica". Quando um país, como o Brasil, alcança o patamar de quase 30 mortes por 100 mil habitantes, não há como deixar de reconhecer uma endemia. A situação brasileira é endêmica e altamente preocupante. Não menos estarrecedora é a situação da América Central, cuja média é superior à brasileira: 36 mortes para cada 100 mil pessoas.

Apesar de todos os progressos econômicos (crescimento do PIB de 6,1%, no segundo trimestre de 2008), o Brasil continua sendo um país pouco recomendado para investimentos e isso de deve fundamentalmente - a dois fatores: violência e falta de segurança jurídica.

O impacto econômico direto da violência armada no mundo todo, diz Thomas Gremiger (do Ministério de Assuntos Exteriores da Suíça), pode chegar a 163 milhões de dólares. "A violência é um freios mais importantes para o desenvolvimento", acrescentou.

Há dois anos 42 países adotaram uma declaração multilateral sobre medidas para redução da violência. No total, já subscreveram essa declaração 94 países. O homem já chegou à lua, está reinventando o famoso "big-bang" original, desenvolveu o trem de alta velocidade etc., mas ainda não conseguiu dominar (nem controlar) o que de mais atávico existe dentro dele: a violência, que é a quarta causa mundial - de mortes entre as pessoas de 15 a 44 anos.

O ministro Tarso Genro, presente na Conferência de Genebra, disse que o Brasil reduzirá em, 4 anos, 58% dos homicídios, ou seja, de 29 para cada 100 mil habitantes passaríamos para 12 (tal qual o Chile) (Folha de S.Paulo de 13/9/08, p. C7).

Essa esperança pode até um dia - se transformar em realidade, com medidas concretas de redução da violência (mais educação, menos desorganização social, mais controle da corrupção etc.). Mas não será, com certeza, por meio da aprovação de novas leis penais que isso vai acontecer. Ainda está por ser escrito no âmbito político criminal latinoamericano um Manual das crendices idiotas. A primeira delas diz respeito à crença de que a simples aprovação de uma nova lei penal mais "dura" seja a solução para o problema da violência endêmica no Brasil. Os legisladores brasileiros ainda acreditam nisso. Boa parcela da mídia e da população brasileira também. Até quando nos faltará a razão, tão decantada pelo movimento iluminista dos séculos XVIII e XIX?

Luiz Flávio Gomes é professor doutor em Direito Penal pela Universidade de Madri, mestre em Direito Penal pela USP e diretor-presidente da Rede de Ensino LFG (www.lfg.com.br). Foi promotor de Justiça (1980 a 1983), juiz de Direito (1983 a 1998) e advogado (1999 a 2001).

O Estado do Paraná, Direito e Justiça, 28/09/2008.

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