segunda-feira, 1 de setembro de 2008

Artigo: Agravantes e atenuantes

Mais do que oportuno o momento, para a discussão da aplicação das chamadas circunstâncias atenuantes e agravantes, incidentes na segunda fase da aplicação da pena em nosso Direito Penal pátrio, aplicação esta sustentada por Nelson Hungria e subdividida em três fases.

É entendimento dominante em nosso Direito Penal pátrio que por ocasião da segunda fase da aplicação da pena, onde incidem as chamadas circunstâncias agravantes e atenuantes, deve a pena se manter nos limites da pena cominada ao delito, sustentando ser esta a vontade do legislador, quando da elaboração de nosso Código Penal, em sua parte geral.

Na primeira fase da aplicação da pena incidem as circunstâncias judiciais, previstas no artigo 5º do Código Penal, na qual é fixada a pena base, iniciando-se o cálculo da sanção a ser aplicada.

A simples interpretação gramatical do referido artigo nos dá a certeza de que por ocasião desta fase o legislador vinculou as penas ao limite previsto no inciso I, ou seja, deve ater-se o Magistrado, ao fixar a pena base, às penas aplicáveis dentre as cominadas, vontade esta expressa na lei.

Portanto, por ocasião da fixação da pena base, deve o Magistrado ater-se ao delito, não podendo fixá-la aquém do mínimo nem tampouco além do máximo da prevista in abstrato, por expressa determinação legal.

Já na segunda fase da aplicação da pena, em primeiro plano, descreve nosso Código Penal quais seriam as chamadas circunstâncias agravantes, em seu artigo 61, restringindo no caput a sua aplicação dizendo que: "São circunstâncias que sempre agravam a pena quando não constituem ou qualificam o crime:".

Em um segundo plano, encontram-se no artigo 65 do Código Penal as chamadas circunstâncias atenuantes, estipulando-se no caput que quando da ocorrência de uma das circunstâncias abaixo elencadas, a pena deve obrigatoriamente ser atenuada, dizendo que: "São circunstâncias que sempre atenuam a pena:" (grifo nosso).

Ora, a lei prevê expressamente que quando da ocorrência de uma das circunstância acima citadas, deve obrigatoriamente ocorrer uma mudança da pena a ser aplicada, por se expressar uma diminuição de culpabilidade, ou mesmo uma maior culpabilidade, não havendo nenhuma vinculação com a fixação da pena base, que é fixada seguindo-se os critérios estabelecidos no artigo 59 do CP.

Se o legislador realmente pretendesse que por ocasião da segunda fase da aplicação da pena, ficasse esta restrita aos limites da pena in abstrato, certamente teria inserido os seguintes dizeres: "... respeitados os limites da pena cominada", da mesma maneira com que dispôs o artigo 59 do CP, e mais, jamais poderia prever no caput dos artigos 61 e 66 do CP, que quando da ocorrência de quaisquer das circunstâncias a pena será sempre atenuada ou agravada.

Na realidade, nos deparamos frente a uma interpretação e aplicação da pena com no mínimo 55 (cinqüenta e cinco) anos de atraso, em relação ao novo Código Penal, não nos referindo à atualização ocorrida com o advento da Lei 7.209, de 1984, e sim ao Decreto-Lei nº 2.848, de 1940, já que desde a prolação do referido Decreto-Lei, o sistema de aplicação da pena passou a ser trifásico, sistema este adotado pelo saudoso Ministro Nélson Hungria.

Antes da promulgação do Decreto-Lei nº 2.848, a aplicação da pena era feita no Brasil pelo sistema bifásico, que consistia na aplicação da pena subdividida em duas fases distintas. A primeira consistia na fixação da pena-base, na qual o Juiz, atentado-se às circunstâncias judiciais (ou legais) e às agravantes e atenuantes, deveria fixá-la, dentre as penas previstas ao crime, razão pela qual a presença de uma atenuante ou agravante não poderia ultrapassar o patamar máximo e mínimo previsto ao crime; já na segunda fase, incidiam as causas gerais ou especiais de aumento e diminuição de pena, que podiam ultrapassar os limites da pena cominada.

Repete-se, as circunstâncias atenuantes e agravantes incidiam na 1ª fase da aplicação da pena, na qual o aplicador da lei está restrito, pela própria lei, aos limites da pena in abstrato, já que constavam os seguintes dizeres "as penas aplicáveis dentre as cominadas".

Nesta época sim, existia regramento legal que previa a aplicação das agravantes e atenuantes, com os parâmetros da pena cominada; contudo, com o advento do referido Decreto-Lei, passou a ser adotado em nosso País a aplicação trifásica da pena, na qual se separou a apreciação das circunstâncias legais das circunstâncias agravantes ou atenuantes, que passaram a ser aplicadas em fase distinta (mais precisamente na segunda fase) e como já explicitado acima, foi retirado seu impedimento legal de redução e aumento aquém e além dos patamares estabelecidos abstratamente ao crime.

Da maneira como vem sendo aplicada a pena no Brasil, com este resquício de interpretação restritiva baseado em lei já há muito expressamente derrogada e com o advento de nossa Constituição Federal de 1988, a flagrante ilegalidade, que é costume em nossos tribunais, se torna inconstitucional, visto que infringe os princípios constitucionais de individualização e proporcionalidade da pena.

Nossa Constituição Federal, em seu Título II, "Dos Direitos e Garantias Individuais", no seu Capítulo I, "Dos Direitos e Deveres Individuais e Coletivos", no inciso XLVI prevê que "a lei regulará a individualização da pena e adotará, entre outras,...".

Realmente, nossa Lei Ordinária regula com perfeição o preceito constitucional em apreço, que vem há muito a desrespeitando é a nossa interpretação, que não está se baseando em nossa legislação atual e sim vem sendo aplicada como há 55 (cinqüenta e cinco) anos, na época da aplicação bifásica da pena.

Ao prever a individualização da pena, o própria legislador constitucional já garantiu a todos os cidadãos a proporcionalidade da pena em relação ao delito cometido e às condições e características do indivíduo.

Se o indivíduo comete um crime em companhia de outras duas pessoas, todas menores de 21 anos, e somente ele vem a confessar espontaneamente à autoridade a autoria do crime, logo depois de salvar a vida da vítima, supondo-se a hipótese de latrocínio, e de que somente ele possui bons antecedentes:

Este indivíduo teria todas as circunstâncias judiciais do artigo 59 a seu favor e certamente teria sua reprimenda fixada inicialmente no mínimo legal; já seus companheiros teriam suas penas fixadas acima do mínimo, em virtude dos maus antecedentes. Na segunda fase da aplicação da pena, aquele indivíduo não teria a redução de sua reprimenda, por estar situada no mínimo legal, não obstante a presença de pelo menos 3 circunstâncias atenuantes presentes (artigo 65 incisos I e III, letras "b" e "d"), inclusive a preponderante, que é a menoridade. Já seus companheiros, que por sua situação desfavorável tiveram suas penas fixadas acima do mínimo legal, teriam a redução de sua reprimenda, até o limite da pena mínima. Ora, como é que se pode inferir respeito ao preceito constitucional pertinente se indivíduos com características e condições tão diferentes acabariam tendo a mesma resposta estatal para sua violação ao dispositivo legal?

Repete-se, se o legislador ordinário tivesse a intenção de restringir a aplicação das circunstâncias atenuantes e agravantes ao patamar da pena cominada teria inserido os dizeres "respeitados os limites da pena cominada", como fez por ocasião do artigo 59 do Código Penal.

Se por um acaso o condenado fizer jus à fixação da pena base no mínimo legal, em virtude dos critérios do artigo 59 do CP, não há explicação plausível para ceifarmos-lhe seu direito a atenuação da pena, quando da presença de uma das circunstâncias previstas no artigo 65 ou 66 do Código Penal.

Não há que se falar em vontade do legislador, nem expressa, muito menos tácita, atentando-se que esta interpretação não encontra respaldo em qualquer raciocínio lógico, desde que baseado na suprema Justiça !!!

Antonio Candido Reis de Toledo Leite

LEITE, Antonio Candido Reis de Toledo. Agravantes e atenuantes. Boletim IBCCRIM. São Paulo, n.32, p. 04, ago. 1995.

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