domingo, 3 de agosto de 2008

Os desafios ao tratamento mental

Embora ainda presentes no imaginário popular, procedimentos como eletrochoques e duchas de banho frio há muito tempo foram abolidos do tratamento de pacientes com problemas de saúde mental. A concepção do modo como o paciente com algum tipo de distúrbio mental deve ser tratado mudou e, com ela, o Brasil implantou, em 2001, a Lei 10.216, a Reforma do Modelo de Assistência em Saúde Mental, conhecida como reforma psiquiátrica.

Mas, ao mesmo tempo em que as adequações à lei foram acontecendo, um novo problema aumentava: o uso de drogas psicoativas, marcadamente o crack. Hoje, o Estado encontra sua maior dificuldade no tratamento desses pacientes, principalmente crianças e adolescentes usuários de drogas. Segundo a Secretaria de Estado da Saúde (Sesa), em torno de 50% dos internamentos hoje são causados pelo uso de álcool e outras drogas.

A estratégia da Divisão de Saúde Mental da Sesa é a implantação de centros de apoio psicossocial (Caps), que trabalham com equipe multidisciplinar para atender a essa demanda. Mas isso não seria suficiente, segundo o presidente da Sociedade Paranaense de Psiquiatria, Marco Antônio Bessa, para os dependentes químicos, que precisam de um atendimento contínuo. “Hoje o Paraná não tem nenhum hospital capacitado para atender esses pacientes. A demanda cresceu de maneira imprevisível e a realidade do atendimento foi no sentido contrário”, constata.

De acordo com Bessa, os Caps têm estrutura para o paciente passar o dia e voltar para casa à noite, não para atendê-lo numa crise de abstinência de drogas, por exemplo, o que exigiria no mínimo duas semanas de acompanhamento. “A maioria dos Caps não tem nem médico e a saúde do paciente, que pode adquirir aids, pneumonia ou outra doença, fica em risco”, critica. Além da dependência química, crianças e adolescentes usuários de drogas podem agregar problemas como depressão ou transtorno de atenção e serem originárias de famílias desestruturadas.

Em Curitiba, para atender os pacientes infanto-juvenis, o Centro Psiquiátrico Metropolitano (CPM) pretende implantar nos próximos meses o primeiro Caps infanto-juvenil da Região Metropolitana de Curitiba. Referência estadual, o centro não conta com alas de internamento, mas com pronto-atendimento 24 horas específico para pacientes adultos com problemas como risco de suicídio, depressão, esquizofrenia, álcool e drogas, além de oferecer atividades de reinserção social para os pacientes que estão estabilizados. No último mês, o maior percentual registrado do total de atendimentos, 36%, foi para pacientes com dependência química.

Na opinião da coordenadora da Divisão de Saúde Mental da Sesa, Cleuse Barleta, o hospital deve ser o último recurso a ser utilizado no tratamento do doente mental. “Do ponto de vista do SUS (Sistema Único de Saúde), as ações devem estar na atenção básica, nas residências terapêuticas, nos ambulatórios especializados de saúde mental e nos Caps”, diz Cleuse, que também garante não existir falta de leito para paciente psiquiátrico no Paraná.

Atendimento de saúde mental no Paraná:

> 55 ambulatórios
> 87 centros de apoio psicossocial (Caps) e outros 23 em fase de implantação
> Somente em Curitiba, existem 14 Caps em funcionamento
> 21 residências terapêuticas
> 16 hospitais especializados em psiquiatria
> 3.069 leitos do SUS

Fonte: Secretaria de Estado da Saúde (Sesa)
Descartada política do isolamento de doentes mentais

“Todas as manhãs nós nos sentamos enfileirados de cada lado da enfermaria, onde passamos o dia esperando ouvir uma chave virar na fechadura e aguardando para ver quem está entrando. Não há muito mais o que fazer.” A frase é do livro Um estranho no ninho, publicação que discute o tratamento aos pacientes psiquiátricos a partir da pesquisa do autor Ken Kesey. Desde a edição da obra até hoje, passaram-se mais de 40 anos.

E, embora a concepção do tratamento a quem tem algum tipo de distúrbio mental também tenha tido progressos desde então, a citação poderia ter sido feita por algum dos últimos pacientes-moradores de hospitais psiquiátricos do Paraná.

No Hospital Colônia Adauto Botelho, em Pinhais, na Região Metropolitana de Curitiba, dos 170 pacientes, além dos dependentes químicos e dos pacientes com distúrbios mentais em enfermarias, ainda há 32 pacientes-moradores.

Propositadamente localizado em uma área distante da cidade, o hospital é um exemplo de como se encarava o doente mental décadas atrás: fadado ao isolamento.

Hoje, essa idéia é intolerável e a política do hospital é evitar ao máximo que novos casos como estes se repitam, segundo explica o diretor-geral, Paulo Pacheco. “Isolar o paciente com problema mental de seu contexto original é o mesmo que passar uma borracha em sua história e condená-lo ao esquecimento”, diz. No caso desses pacientes-moradores, alguns no Adauto Botelho há 40 anos, muitos não estariam necessariamente no local se desde o início tivessem recebido um outro tipo de tratamento, que não só o internamento.

“Eles continuariam com algum distúrbio, mas poderiam levar uma vida normal”,
completa o diretor. (LC)
Reforma psiquiátrica

A reforma psiquiátrica de 2001 tem como base uma rede extra-hospitalar de base comunitária, não mais centrada nos hospitais e nos longos períodos de internamento. A lei prevê, inclusive, a redução de leitos psiquiátricos, defende a reinserção social e a assistência integral aos pacientes.

Ao longo dos séculos, das explicações de ação sobrenatural às de possessão pelo demônio, a doença mental teve tratamentos diversos, como privar o doente de alimentos, aprisionamento, até chegar aos manicômios no século XIII. Seguiram-se, então, medidas físicas e higiênicas como duchas, banhos frios, chicotadas, máquinas giratórias e sangrias, utilizadas até o início do século XIX. No Brasil, os hospitais psiquiátricos apareceram no fim do século XIX.

A discussão em torno da mudança no tratamento do doente mental teve início
apenas na década de 1970. (LC)


O Estado do Paraná.

Nenhum comentário:

Pesquisar este blog