quarta-feira, 6 de agosto de 2008

Foro privilegiado: imunidade ou impunidade?

Ao invés de possibilitar agilidade nos julgamentos de agentes públicos, foro privilegiado tem sido marcado pela morosidade.

O que o foro privilegiado tem que o torna tão cobiçado? Volta e meia surgem projetos para ampliar a abrangência desse foro para determinadas categorias ou extender esse direito a ex-autoridades ou para casos de improbidade administrativa. Por outro lado, entidades como a Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB) têm se manifestado a favor do fim desse foro por prerrogativa de função.

Em junho deste ano, uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) recebeu um substitutivo na Câmara dos Deputados determinando que autoridades do alto escalão que não estiverem cumprindo mandato poderão responder pela prática de crime comum, sem direito ao foro especial. O texto prevê ainda que o agente público denunciado em pleno cumprimento do mandato deverá responder ao tribunal competente, mas o juiz de primeiro grau poderá submeter suas decisões ao Supremo Tribunal Federal (STF) ou Superior Tribunal de Justiça (STJ), dependendo do caso. O substitutivo também acaba com a competência do STJ para o julgamento de autoridades estaduais (governadores, deputados e desembargadores). Estes passariam a ser processados em âmbito estadual.

Foro privilegiado, ou foro por prerrogativa de função, é uma garantia constitucional dada a determinados agentes públicos em função do cargo que exercem, para que eles não sejam julgados por qualquer vara, mas sim em um local que tenha competência para tanto. Segundo o juiz da 1 Vara Cível de Londrina, Mauro Henrique Ticianelli, esse foro especial é importante para garantir a liberdade necessária ao agente público para o pleno exercício de suas funções. ''Um presidente que tome medidas impopulares, por exemplo, se ele fosse responder a ações em qualquer lugar, impetradas por todos que se sentissem prejudicados, não conseguiria governar'', ilustra.

''É também uma forma de tentar dar uma resposta mais rápida à sociedade que escolhe seus representantes'', complementa Edmundo Manoel Santana, professor de Direito Penal e Processual Penal da Unopar. O docente explica que a Constituição delimita as competências material (o mérito a ser apreciado), territorial (onde foi o fato) e funcional (decorrente de cargo ou função ocupada no momento) dos processos. ''Essa competência funcional é válida. O foro por prerrogativa de função visa dar celeridade ao julgamento, equidade, que ele seja justo e feito por autoridade competente jurisdicionalmente para tanto'', argumenta.

Ambos os profissionais concordam que o foro privilegiado não fere o princípio constitucional da isonomia. ''O princípio da isonomia é tratar com igualdade os iguais. E um presidente não é igual a um cidadão comum. Ele precisa ter uma liberdade mínima para desempenho da função'', justifica Ticianelli.

O juiz ressalta ainda que o foro especial não inviabiliza o acesso à Justiça, e que o processo é exatamente igual a qualquer outro. Assim, ministros do STF têm que realizar todos os procedimentos desde o começo, como enviar notificações, marcar audiências, ouvir testemunhas. ''O STJ e o Supremo não têm estrutura para tanto, não foram feitos para isso'', observa.

Santana lembra também que o número de pessoas beneficiadas pelo foro privilegiado é grande. ''Hoje a situação está um caos porque se alargou a relação de pessoas a serem julgadas e não se estruturou os tribunais para essa finalidade. Estes estão assolados de processos comuns e não têm suporte nem para os recursos ordinários, imagine então para o julgamento do início ao fim'', afirma, citando como exemplo o Mensalão, quando foi preciso capitanear juízes de fora para auxiliar nos tribunais.

Como resultado, ao invés de celeridade, o foro privilegiado tem sido marcado pela morosidade. Segundo levantamento realizado pela AMB, entre 1998 e 2006, o STF recebeu 130 processos de foro privilegiado, concluiu seis (todos com a absolvição dos réus) e 13 prescreveram. Já no STJ, das 483 ações, 16 foram julgadas (sendo cinco condenações e 11 absolvições) e 71 prescreveram. ''O problema é a morosidade, que acaba levando à prescrição. Por isso tem tanta gente querendo esse direito'', avalia Santana.

Ainda assim, tanto Santana quanto Ticianelli defendem a existência do foro privilegiado. ''O sistema é válido, o problema é estrutural e de organização. Mas é importante ter esse direito, desde que alicerçado, imparcial e célere. Com isso, a crítica social seria menor'', opina o professor.

Já o juiz lembra que há quem busque acesso a determinados cargos públicos eletivos buscando essa imunidade. ''O problema é o mau uso, os agentes valerem-se desse recurso para praticar alguns delitos. A imunidade deveria ser usada para proteger a opinião, mas acaba protegendo o crime comum'', conclui Ticianelli.


Folha de Londrina.

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