segunda-feira, 4 de agosto de 2008

Entrevista - André Urani

Mais do que bons governos, é preciso ter boa governança. A lógica dos projetos deve ser substituída pela lógica dos processos. Estratégias locais devem estar integradas a estratégias mais amplas. É preciso mudar a forma de se pensar políticas públicas.

Os caminhos propostos pelo economista André Urani para o Rio de Janeiro se reerguer não são exatamente uma novidade no mundo. Eles foram trilhados por várias metrópoles que conseguiram achar novas vocações e se recuperar, reduzindo as desigualdades.

Urani está lançando, este mês, o livro Trilhas para o Rio – do reconhecimento da queda à reinvenção do futuro, pela editora Campus-Elsevier. Nesta entrevista ao Comunidade Segura, ele adianta um pouco do conteúdo do livro, no qual ressalta o papel chave da sociedade civil e das empresas privadas na criação de novas ferramentas para o desenvolvimento integrado e na implementação de soluções de longo prazo para a região metropolitana do Rio de Janeiro.

O que o livro pretende?

O livro pretende contribuir para o debate sobre o futuro do Rio de Janeiro. O meu Rio de Janeiro é essencialmente a região metropolitana, nem estado, nem cidade. A região metropolitana do Rio vem sendo um saco de pancadas nas últimas décadas, perdendo suas vocações, capital e indústria, e se ressente muito disso.

E como isso aconteceu?

Historicamente, sempre houve muita desigualdade, mas até a década de 80 havia mais mobilidade, as pessoas podiam progredir e ascender, era uma questão de tempo. Mas de 1980 para cá, mantivemos as desigualdades e não fomos capazes de manter a mobilidade econômica. Essa combinação de aumento das desigualdades e redução da mobilidade é explosiva, é o mal metropolitano das principais regiões brasileiras, e aqui no Rio isso é particularmente virulento. Não tenho a pretensão de oferecer uma fórmula mágica para salvar o Rio, mas sim tentar imaginar caminhos a serem percorridos.

Que caminhos são esses?

O primeiro ponto-chave, que está no subtítulo, é reconhecer a queda, como nos versos de Paulo Vanzolini, ‘Levanta, sacode a poeira e dá a volta por cima / Reconhece a queda e não desanima’. Para dar a volta por cima é preciso reconhecer a queda. Os cariocas não querem reconhecer o tamanho do buraco, o que dificulta a criação de uma cultura para a busca de soluções.

O que devemos fazer para mudar isso?

A primeira metade do livro descreve as facetas dessa queda para se poder virar a página. A segunda parte foca na solução. Já existem coisas bacanas acontecendo no Rio, do ponto de vista econômico há vários exemplos, os investimentos estão chegando, empregos estão sendo gerados, uma série de coisas está melhorando. Mas isso ainda não tem a escala necessária para o Rio sair do buraco em que se enfiou. Há projetos interessantes em curso, mas há não um processo de busca por novas vocações. Não adianta repetir fórmulas do século passado. Veja o nosso subúrbio, por exemplo, que só existe em função da indústria e se tornou um semi-árido econômico e um cemitério industrial. Hoje o subúrbio está voltando a receber investimentos, mas eles não serão capazes de restituir as oportunidades na escala em que seriam necessárias. É preciso ir muito além, pensar num futuro diferente.

E como seria a nova abordagem?

Os principais problemas da região metropolitana são os três ‘D’: desigualdade, desordem e desperdício. Eles têm em comum o fato de não serem enfrentáveis por governos. Um bom governo é necessário, mas insuficiente. Precisamos ter boa governança para podermos implementar soluções que são necessariamente de longuíssimo prazo, o prazo de uma geração. Os governos não duram uma geração. Precisamos mudar a maneira de pensar políticas públicas e criar novas ferramentas. Proponho no livro várias maneiras de se caminhar nesse sentido.

Por exemplo?

As agências de futuro. São entidades privadas, mas de interesse público, capazes de atuar nos diferentes territórios da cidade, implementando estratégias integradas de desenvolvimento. São formadas majoritariamente pela sociedade civil e empresas privadas e têm uma representação minoritária do governo. É uma solução pensada na experiência internacional. Muitas metrópoles se reinventaram na América do Norte e na Europa. Elas se revocacionaram. É preciso acabar com a lógica dos projetos e avançar na lógica dos processos. Hoje não há uma institucionalidade para se enfrentar os problemas. Precisamos de novas institucionalidades. Há sinais alvissareiros: o setor privado está se mobilizando e há diversas iniciativas bem sucedidas da sociedade civil.

Muitas metrópoles já conseguiram se revocacionar?

São inúmeras: Barcelona, Nova York, Londres, Bilbao, Turim, Milão, Glasgow, Chicago... E muitas tentaram e não conseguiram. O bom disso é que se pode aprender com os erros e acertos dos outros.

Como conter o processo de favelização em curso no Rio de Janeiro?

Não se pode pensar só em obras de infra-estrutura nas favelas, mas na integração das favelas com seu entorno. Por exemplo, uma estratégia de desenvolvimento para a Rocinha deve ser integrada à Zona Sul. Já no Alemão, as vocações não serão as mesmas, e dependem da revitalização do subúrbio. Quando se olha para uma comunidade é preciso ir além dela, conciliando estratégias locais com estratégias mais amplas.


Comunidade segura.

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