terça-feira, 5 de agosto de 2008

Artigo: Um só disparo, letal, autoriza a desistência?

Ementa: "Homicídio. Tentativa. Ausência de consumação por circunstâncias alheias à vontade do agente. Desferimento de tiro único. Ferimento grave, suficiente, por si, à produção do evento letal. Fase executória completa. Desistência voluntária. Incompatibilidade. Reconhecimento.

"Um tiro único que produz ferimento grave e bastante à produção do evento letal, tornando desnecessária qualquer outra atividade do agente na busca do resultado 'morte', já representa esgotamento da fase executória, o que é incompatível com a desistência voluntária."
(TJSP - Ap. 126.825-3/5 - 3º Câmara Criminal - Rel. Des. Luiz Pantaleão - v.u., - j. 18.4.94)

Anotação: Sem adentrar a discussão, pois o reduzido espaço não comporta, quanto à desistência voluntária ser incompatível - sempre - com o esgotamento da fase executória, com o que não concordo, no v. aresto em questão verifica-se, data venia, um erro de interpretação do instituto, sobretudo quanto à vontade do legislador ao criá-lo.

É por todo sabido que tanto a desistência quanto o arrependimento, contidos no artigo 15 do CP, são institutos criados por questões de política criminal. Com eles, o legislador tentou evitar a consumação do delito já em fase de execução, diminuindo-lhe as conseqüências. Assim, criou, na feliz expressão de Von Liszt, uma 'ponte de ouro' para a volta, para a retirada do agente que ainda não consumou o crime, nada obstante com sua atitude, tenha0se tornado passível de pena. É esse, em apertada síntese, o objetivo visado pelos referidos institutos.

De outro lado, por motivos óbvios, eles devem ser aplicados sempre em face do caso concreto. Conseqüentemente, se ficar demonstrado que o agente, dando início à execução de um crime de homicídio efetuou um início disparo, e sem embargo de poder efetuar outros não fez, sabendo que o fim almejado ainda não foi alcançado, é incontestável que usou ele aquela "ponte de ouro", vale dizer, é indiscutível ter ele desistido voluntariamente, não podendo ser isso negado apenas porque a lesão já era suficiente, em tese, para provocar a morte da vítima.

Embora o tipo de lesão possa ser um valioso elemento para inferir a intenção - matar ou apenas ferir - ela, por si só, não pode representar o fim da execução quando, repita-se, ficar demonstrado que o agente possuía mais ou outros meios de realizar plenamente seu propósito delitivo.

Como lapidarmente assinalada por Frank, para caracterizar a desistência voluntária basta que o agente possa dizer "não quero prosseguir, embora pudesse fazê-lo"., Ora, no delito de homicídio tentado, independentemente do tipo de lesão, parece de uma claridade mediterrânea que realizar um único disparo, podendo efetuar outros, é prova suficiente de que seu autor não quis prosseguir, embora pudesse fazê-lo.

Por derradeiro, insta apontar, o caso em tela - único disparo, sendo possível outros - é a hipótese clássica, a mais usada pelos autores, tanto nacionais quanto estrangeiros, para exemplificar a desistência.

Hélios Nogués Moyano

MOYANO, Hélios Alejandro Nogués. Um só disparo, letal, autoriza a desistência? [Comentário de jurisprudência]. Boletim IBCCRIM. Jurisprudência. São Paulo, v.2, n.17, p. 53, jun. 1994.

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