domingo, 17 de agosto de 2008

Artigo: Suecia@bemestar para brasil@ondevamos, por Marcos Rolim *

Entre todas as vocações que se pode projetar para um país, uma das piores é o conformismo. Espécie de covardia que não ousa dizer seu nome, o conformismo nos faz pensar na realidade nacional e nas condutas dos brasileiros como se fossem dados da natureza, desconhecendo que o processo civilizatório é marcado por rupturas políticas, por mudanças comportamentais e pela instituição de novos regramentos não necessariamente nesta ordem. Ao depor na CPI dos Grampos, outro dia, o juiz Fausto de Sanctis aquele que determinou a prisão de Daniel Dantas e outros na Operação Satiagraha saiu-se com esta: Temos que fazer uma lei adequada ao nosso país. Não adianta querer fazer lei de país civilizado, porque este país não é. Depois, tentando amenizar a afirmação disse: Quis dizer que não somos um país do Primeiro Mundo.

Na mesma linha, o filósofo José Arthur Gianotti afirmou que o rigor da nova lei que proíbe dirigir após a ingestão de bebidas alcoólicas “tem lá suas razões de ser na Suécia ou na Noruega, mas não no Brasil”. Lembrança ilustrativa. Afinal, a Suécia é o país que mais avançou na construção do chamado Estado de Bem-Estar Social, combinando economia de mercado, igualdade social, impostos progressivos, promoção dos direitos humanos e regulação estatal. Coisas que, querem nos fazer acreditar, “só dão certo” para os nórdicos. Muito conveniente. Quando se discute qualquer tema polêmico no Brasil e alguém propõe uma solução racional, fundada em evidências e amparada por estudos científicos, surge a turma do “não vai dar certo”, com o “argumento imbatível”: “Estão pensando que isto aqui é a Suécia?”.

Leis que promovam garantias, os procedimentos respeitosos, o “fair play”, o apreço pela diferença, o reconhecimento dos direitos das minorias, o uso de expressões não-estigmatizantes, ou, ainda, ações afirmativas, aborto legal, investimentos em prevenção, penas alternativas, justiça restaurativa, inteligência policial, pedidos de desculpa, boas maneiras, e tudo o mais que represente civilização, são embrulhados na mesma condenação: “Não estamos preparados para isso”. Às vezes, em meio aos debates com meus alunos, alguém saca do coldre uma frase do tipo. Então paro a aula e digo:

– Qualquer argumento, menos esse. Ele nos torna pequenos e, com o tempo, nos fará piores.

O debate sobre o que fazer com os nossos torturadores tem algo a ver com isso. A Lei da Anistia no Brasil jamais mencionou o crime de tortura. A expressão empregada foi “crimes políticos e conexos”. Entendeu-se que a tortura estava contemplada, porque isso foi conveniente para a ditadura e para a turma do “deixa disso” que veio depois. Seja como for, nesta altura do campeonato, falar em punição já não tem sentido. Seria preciso, entretanto, contar a verdade, a começar pela abertura dos arquivos da repressão, coisa que o governo Lula se esforça por não resolver. Lula poderia, aliás, se inspirar naquilo que fez um dos maiores estadistas do mundo, Nelson Mandela, com a Comissão de Verdade e Reconciliação. Pelo menos seria mais difícil alguém lhe dizer: “Ô, meu, tá pensando que isso aqui é a África do Sul?”.

* Jornalista

Zero Hora.

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