sábado, 30 de agosto de 2008

Artigo: Nós, os adultos

Sempre me intrigou o fato de verificar que o homem é a única espécie do reino animal que necessita de permanecer tutelado durante cerca de um terço de sua vida, incapaz de manter-se por si mesmo. Enquanto um patinho entra na água assim que sai da casca do ovo e já estará pronto para obter seu alimento em questão de semanas, o animal homem levará anos e mais anos preparando-se para ser adulto. Conseguirá sê-lo?

Essas reflexões, que sempre me intrigaram, passaram a intrigar ainda mais com a leitura de Thorwald Dethlefsen ("Édipo - O Solucionador de Enigmas", ed. Cultrix), que nos chama a atenção para algo realmente significativo. Diz ele que, sob o ponto de vista elitista, a demonstração maior de haver o homem atingido a adultícia está no rito de passagem consistente na obtenção do diploma universitário. "Agora és um homem meu filho!", diz o pai entre orgulhoso e emocionado.

Ocorre, anota aquele autor, que esse adulto seguramente desejará prosseguir em sua formação universitária, fazendo o curso de pós-graduação. A primeira condição para isso será, por certo, a escolha de um orientador, ou seja, uma mamãe que o ensinará a fazer os deveres de casa, observa ele. Adulto?

Houve tempo em que, em nossa cultura (aliás, o autor discorre longamente sobre o esvaziamento da cultura, a partir da quebra da correlação mito/culto e culto/mito), falava-se em profissional liberal. O médico, o engenheiro e o advogado eram senhores de sua atividade profissional, com a última palavra sobre o assunto de sua profissão. Hoje, esse profissional liberal está sujeito a um chefe, que está sujeito a um chefe, que está sujeito a um chefe... E os donos da empresa de engenharia, de medicina ou de advocacia, na realidade estão sujeitos à grande mãe: a empresa. Profissional liberal?

Argumenta-se-á que, excluída a classe privilegiada, o homem torna-se adulto mais cedo, pois a criança criada nas ruas começa, bem antes dos 16 anos, a lidar com drogas, sexo e arma de fogo, assuntos que outrora eram privilégio dos chamados adultos, havendo até quem queira responsabilizá-la criminalmente por essa precocidade. Ela deve pagar o preço por haver-se tornado adulto antes da hora.

Puro engano, dizemos nós. O que houve foi um simples troca de brinquedos e de brincadeiras. Enquanto os de nossa geração, na infância, brincávamos de pega-pega nas ruas sem calçamento do bairro, a criança de hoje, não pertencente à burguesia, brinca de pega-pega nas ruas do centro da cidade, onde vivem sob viadutos ou em favelas, enquanto nós outros fazíamos nossas casas sobre as árvores, imitando Tarzan. Na rua Direita ou na praça da Sé, o mesmo pega-pega tem um singela diferença: aquele que deve ser pegado leva na mão a corrente de ouro que havia estado no pescoço de madame ou o relógio que estivera no pulso do cavalheiro. Enquanto isso, nos escritórios da vizinhança, os chamados adultos manipulamos nossos computadores, que nada mais são do que brinquedos eletrônicos sofisticadíssimos.

Aliás, nossos pais e avós, quando, em criança mostravam-se desobedientes, recebiam como castigo pancadas de palmatória. As crianças de hoje, desde que não pertencentes à elite privilegiada, em lugar de palmatória, em caso de desobediência, levam tiro na mão (regra imperante nas favelas do Rio de Janeiro, como se sabe). Que mudou?

Não é a criança que se torna adulto mais cedo. É o homem que não chega a ser adulto. Veja-se, como exmplificação final, o que ocorre em uma reunião considerada típica de homens adultos (mulher não entra nesses clubes do Bolinha, a não ser em dias especiais): os chamados clubes de serviço, sintomaticamente originários da mais infantil forma de sociedade, a norte-americana. Rende-se homenagem inicial à mamãe pátria (representada por seu retrato, a bandeira). Ao depois, durante a refeição (símbolo da reunião familiar), presta-se contas à família das boas e más ações feitas na semana, estando aquele que não havia comparecido à reunião anterior obrigado a trazer o comprovante de haber pago o castigo: freqüentou ele outra reunião familiar de mesma natureza, em outro clube. E todos os freqüentadores são homens que usam gravata (para demonstrar que não são mais crianças, como poderia parecer a quem desavisadamente, assistisse a uma dessas reuniões), esse símbolo de se pertencer a um estamento superior (quem precisa ganhar dinheiro para comprar comida não tem sobras para comprar uma peça de vestuário absolutamente supérflua como essa, herança do frio europeu, quando, aí, sim, era necessária para agasalhar o peito, na parte não coberta pelo paletó).

Enquanto isso, as pessoas que fazem as regras do jogo social (e que as CPIs demonstram que trapaceiam como qualquer criança que não gosta de perder...), em lugar de assessorar-se de sociólogos e psicólogos, põem-se a descarregar suas culpas criando leis mais severas, para endurecer o jogo, tornando assim as brincadeiras mais emocionantes.

Eis um fato objetivo: a invenção dos chamados crimes hediondos e a quase oficialização da pena de morte (o número de executados, seja pela polícia, representando a sociedade oficial, seja pelas quadrilhas concorrentes, representando a sociedade paralela, só faz aumentar) resolveu o chamado problema da criminalidade? Até as crianças sabem que não.

Enquanto isso, as cadeias (onde a Sociedade Internacional Protetora dos outros Animais não permitiria que se amontoassem gatos ou cachorros como ali se amontoam homens) continuam a fabricar criminosos e disseminadores da Aids, cujo vírus, cedo ou tarde, atingirá a todos nós.

Adauto Suannes

SUANNES, Adauto Alonso S.. Nós, os adultos. Boletim IBCCRIM. São Paulo, n.31, p. 05, jul. 1995.

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