domingo, 10 de agosto de 2008

Artigo: Diretrizes de Política Criminal e Penitenciária ­ I

Sempre que ocorre algum fato lamentável em termos de criminalidade no Brasil a expressão “falta de política criminal e penitenciária” vem à tona, como se não houvesse qualquer tipo de preocupação com a temática. Ledo engano.

Durante oito anos tivemos a honra de integrar o Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária, e uma das preocupações para as quais as atenções de todos os integrantes daquele Conselho sempre esteve voltada é, exatamente, a questão relacionada ao tema destas considerações. No Brasil existe sim uma Política Criminal e uma Política Penitenciária, racionalmente pensada.

O Conselho em referência é um dos órgãos da Execução Penal, assim previstos na Lei de Execução (Lei n.º 7.210/84), e ao longo de sua existência (desde 1980) já editou três versões das Diretrizes, encontrando-se em vigência a editada em 2003, através da Resolução de n.º 16 de 17 de dezembro de 2003, publicada no Diário Oficial da União de 22 seguinte, seção I, pág. 34/35.

Quando do encaminhamento feito ao Exmo. Sr. Ministro da Justiça, à época, Dr. Márcio Thomaz Bastos, o então Presidente do CNPCP, Dr. Antonio Cláudio Mariz de Oliveira assinalou:

Senhor Ministro, “1. A elaboração de diretrizes da política criminal quanto à prevenção do delito, administração da justiça e execução das penas e medidas de segurança, é uma das atribuições do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária. No cumprimento de tal mister, vige desde julho de 1999, a Resolução CNPCP n.º 5. Era tempo de submetê-la a profunda revisão.

2. Nos últimos quatro anos ocorreram mudanças importantes no cenário brasileiro e internacional. São fatos e circunstâncias que repercutem e sofrem a repercussão das questões relacionadas à política criminal. Tire-se, como exemplo, a diferença no tratamento da segurança pública: o tema, antes afeto à esfera estadual, agora integra de forma proeminente e indeclinável a pauta federal, tendo constituído capítulo da maior relevância na plataforma eleitoral vencedora deste Governo.

3. O documento ora entregue a Vossa Excelência é o resultado de profundo e cuidadoso estudo realizado ao longo de alguns meses pelos integrantes deste Colegiado. Comparado à versão anterior, traz uma concepção nova que merece algumas considerações.

4. De início, vale dizer que agora, mais que antes, urge estabelecer uma sólida base conceitual capaz de, ao tempo em que revela a complexidade dos diversos aspectos envolvidos, mostrar que seu tratamento sistêmico é não só viável, como indeclinável. Assim, as Diretrizes destinam-se aos responsáveis pela concepção e execução de ações relacionadas à prevenção da violência e da criminalidade, à administração da justiça criminal e à execução das penas e das medidas de segurança (art. 1.º).””.

Pretendemos lançar reflexões acerca do assunto, para que os operadores do direito conheçam o pensamento do Órgão incumbido de orientar, dentre outros aspectos, a formulação de leis sensatas, contudo, nem sempre acolhidas pelos Poderes competentes.

Com efeito, de há muito é feito o alerta: “A demanda por segurança, em que pesem a complexidade dos fatores envolvidos e as raízes multicausais dos problemas mencionados, recebe, muitas vezes, uma resposta simplista amparada exclusivamente no discurso penal, reativo e repressivo. Mas são muitas as lições aprendidas e as experiências acumuladas no passado recente. Não há mais lugar para a superficialidade, para a reação açodada, para a crença em soluções rápidas e mágicas. Em que pesem as paixões despertadas, firmeza e serenidade são os atributos necessários ao correto e responsável enfrentamento dos desafios postos. Por isso, as novas diretrizes do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária traduzem uma visão abrangente”.

Destarte, impõe-se como introdução à temática proposta destacar alguns dos considerandos da Resolução mencionada, posto refletirem a síntese do pensamento que orientou o CNPCP à edição do documento referido. Vejamos:

“CONSIDERANDO que as estratégias de prevenção e de combate à criminalidade englobam políticas públicas de caráter social bem como a atuação do sistema de justiça criminal e que seus princípios basilares devem estar explicitados para que possam guardar profunda coerência;

CONSIDERANDO que essa coerência advém da vinculação de tais princípios aos fundamentos do Estado Democrático de Direito, nomeadamente a dignidade da pessoa humana vista na sua individualidade e na sua dinâmica inserção social;

CONSIDERANDO a superação científica do paradigma positivista que tratava a questão da criminalidade apenas na esfera do comportamento individual e o seu enquadramento contemporâneo como problema social de raízes multicausais, a ser enfrentado pelo conjunto da sociedade;.

Seguir-se-ão os dispositivos com as considerações respectivas, encerrando-se com o destaque aos princípios norteadores das Diretrizes, quais sejam: I respeito à vida e à dignidade da pessoa humana; II concepção do Direito Penal como última instância de controle social; III valorização da criatividade na busca de alternativas à prisão; IV articulação e harmonização dos órgãos que compõem o sistema de justiça criminal; V absoluto respeito à legalidade e aos direitos humanos na atuação do aparato repressivo do Estado; VI humanização do sistema de justiça criminal; VII comprometimento com a qualidade na prestação do serviço, para incremento da eficiência e da racionalidade do sistema de justiça criminal.

Maurício Kuehne é professor de Direito Penal e Execução Penal da Faculdade de Direito de Curitiba - Unicuritiba. Ex-diretor-geral do Departamento Penitenciário Nacional Ministério da Justiça. Membro do Conselho Penitenciário do Estado do Paraná.

O Estado do Paraná, Direito e Justiça.

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