terça-feira, 5 de agosto de 2008

Artigo: Aparelho celular encontrado com apenado no regime semi-aberto configura falta grave?

Há pouco mais de um ano, foi alterada a Lei de Execução Penal pela Lei 11.466 de 28 de março de 2007, que incluiu o inciso VII como falta grave para o Apenado que cometer o seguinte: “tiver em sua posse, utilizar ou fornecer aparelho telefônico, de rádio ou similar, que permita a comunicação com outros presos ou com o ambiente externo”.

Observamos na mídia os apelos populares, jornalísticos e parlamentares para a aprovação da referida Lei, inclusive com reportagens mostrando presos comandando quadrilhas, ordenando execuções de crimes, até pedido de refeições e remédios, etc. Porém, não nos percebemos que o fato espantoso era o uso descontrolado dos aparelhos celulares dentro do regime fechado. Neste sentido, a lei foi genérica e deixou o anúncio da falta grave ser possível em qualquer regime prisional. Neste sentido, cabe mais uma vez à doutrina e à jurisprudência fazer a correta interpretação desta alteração legislativa no que tange aos regimes prisionais.

Notoriamente, sabemos que o regime semi-aberto, considerado muito mais brando que o regime fechado, estando o apenado sem vigilância ostensiva, sem a utilização de grades em celas (pois existem alojamentos ao invés de celas), sem utilização de algemas nos detentos, dentre outras características. E não é só, podemos apontar que neste regime o reeducando vai se preparando para o retorno ao convívio social com saídas temporárias, possibilidade de estudar e trabalhar fora do estabelecimento prisional, muitas vezes passando os finais de semana junto aos seus familiares, ajudando não somente a si mesmo, mas também a comunidade carcerária e por vezes a própria sociedade.

Sobre este prisma, somos obrigados a refletir se na verdade constitui falta grave utilizar-se o apenado de aparelho celular no regime semi-aberto, haja vista estar ele retornando paulatinamente à sociedade, estando possibilitado de ter visitas à família, de poder trabalhar fora do instituto penal. Pois a sociedade pós-moderna avançou muito na tecnologia, nos conceitos de tempo e aceleração, nos conceitos de relacionamentos, de família, hoje, por exemplo, uma criança de 6 (seis) anos vai à escola e utiliza muitas vezes telefones celulares, computadores, etc. e achamos isso muito normal.

Agora quando um apenado que foi condenado por um delito de pena intermediária, ou teve por seus méritos (tempo suficiente de cumprimento de pena e comprovado o bom comportamento carcerário) a possibilidade de progredir de regime e tiver em sua posse, mesmo que não fazendo seu uso, estará se assim for flagrado, sujeito a responder o respectivo Procedimento Administrativo Disciplinar. E mais, se a Autoridade Administrativa assim entender (conforme art. 60 da LEP), poderá decretar o isolamento preventivo do reeducando por até 10 (dez) dias sem a necessidade de comunicação prévia ao Juiz da Execução Penal. Por vezes, já soubemos que estes isolamentos preventivos ocorrem até em penitenciárias de segurança máxima.

A situação é delicada e merece uma considerável atenção dos operadores do direito, visando não cometimento de abusos por parte de Autoridades Administrativas. E não é só isso, poderemos, no caso de homologações de Procedimentos Administrativos Disciplinares pelos Juízes de Execuções no Brasil, a possibilidade da aplicação de sanções disciplinares severas (incluindo aqui uma Regressão de Regime), sem a devida observância se o aparelho celular estava sendo usado para comunicação com outros criminosos ou ligado a ações delituosas. Isso sem contar é claro, que além de tudo isso, o aparelho celular deve estar operando corretamente, pois já vimos caso inclusive onde o PAD foi instaurado em função de aparelho celular quebrado, isto é, nem o comando completo do inciso VII do art. 50 da LEP (que permita a comunicação com outros presos ou com o ambiente externo) estava comprovado.

Atualmente, não encontramos em obras de Execução Penal, qualquer comentário a respeito dessas particularidades. Combinado a nossa atividade profissional, nos fez pensar com mais profundidade se realmente a intenção do legislador na época da aprovação da Lei 11.466 não era somente de restringir o uso de aparelhos celulares dentro de penitenciárias de regime fechado, onde o alvo eram os criminosos mais perigosos que estavam de fato comandando as ações criminosas por diversos Estados da Federação. Ou o que é pior, se paralelo a isso, a intenção de punir também o agente público e até o Diretor da Penitenciária que não veda o acesso ao preso do uso de aparelho telefônico, agora também pela mesma Lei 11.466 que incluiu ao Código Penal, no art. 319-A o referido delito, não apresenta a resposta que queremos concluir.

Explicando melhor, analisando o art. 319-A, observa-se que o comando da Lei é claro e evidente, direcionado ao Diretor da Penitenciária, e penitenciária é local de cumprimento de pena no regime fechado. Isto é uma conclusão óbvia, pois tanto o Código Penal nos seus artigos 34 e 35 (definições de regras do regime fechado e aberto respectivamente), como na Lei de Execução Penal – LEP – Lei 7.210, onde precisamente no art. 87 estabelece que Penitenciária destina-se ao condenado à pena de reclusão, em regime fechado.

Neste sentido, se a mesma Lei que criou um tipo penal novo no próprio Código Penal para punir agentes públicos que permitem, ou, melhor dizendo, “não vedam” o acesso de aparelhos celulares dentro de Penitenciárias também criou um novo inciso como falta grave no cumprimento de pena para o preso lá na Lei de Execução Penal. Isto com o claro objetivo de complementar a solução do mesmo problema, onde não bastaria apenas punir o preso que utiliza aparelhos celulares (comando colocado explicitamente na LEP), mas também deveria punir quem facilita a entrada destes aparelhos. Então, obviamente estamos falando do mesmo local de cumprimento de pena, e este local é a Penitenciária. E esta deve ser a interpretação correta da intenção do legislador.

Por isso, não podemos dissociar no primeiro momento o inciso VII do art. 50 da LEP com o art. 319-A do Código Penal, pois não faltarão vozes que considerarão no futuro ser atípico, caso seja recebida alguma denúncia em que figure como réu Diretor de algum estabelecimento prisional que não seja penitenciária. Desta maneira, estamos convictos que a falta grave do art. 50, inciso VII da LEP só pode ser cometida por apenados que cumprem pena no regime fechado, haja vista que a Lei que criou este inciso e o art. 319-A é a mesma, e de forma a equilibrar o sistema. Ademais, o que deixa a sociedade brasileira alarmada e descrente, é o uso de aparelhos celulares em penitenciárias mesmo, onde se quer também como forma a complementar solução, a utilização de bloqueadores de sinais.

Desta forma, acreditamos que por um descuido do legislador, esqueceu ele de incluir que a falta grave inserida no inciso VII do art. 50 da LEP era destinada a apenados do regime fechado. Isto ocorre geralmente com a pressa de uma reforma legislativa, fato este bastante comum no nosso país, principalmente quando o Congresso Nacional busca através de reformas legislativas, apresentarem à nação soluções para o problema da violência e tentar restabelecer a ordem e a paz. Mais ainda, que as referidas alterações instituídas pelas Leis 11.466 e 11.464 (alterando a Lei dos Crimes Hediondos) foram aprovadas no mesmo dia, como forma de pacote, onde se buscou rapidamente dar uma resposta à sociedade, pois diante do caso do menino João Hélio no Rio de Janeiro, onde todos nós ficamos chocados com a brutalidade de sua morte.


Anderson Figueira da Roza, Advogado criminalista/RS, Pós-graduando em Direito Penal Empresarial pela PUC/RS.

ROZA, Anderson Figueira da. Aparelho celular encontrado com apenado no regime semi-aberto configura falta grave?. Disponível na internet www.ibccrim.org.br 05.08.2008.

Nenhum comentário:

Pesquisar este blog