segunda-feira, 14 de julho de 2008

Violência é epidemia que consome verba

Ações de prevenção e políticas públicas eficazes ajudariam a reduzir impacto em atendimento público.

Uma epidemia sem bactérias ou vírus se manifesta pelo Brasil. Só em 2004 consumiu da saúde pública R$ 4,8 bilhões, divididos entre a União, os estados e os municípios. E poderia ser prevenida.

Está em curso no país uma “epidemia da violência”, conforme a definição do ministro da Saúde, José Gomes Temporão. Com o dinheiro gasto para atender essas vítimas, poderiam ter sido feitos 354,4 mil transplantes de órgãos (32 vezes mais do que foi realizado em 2006) ou 11,1 milhões de partos normais e cesarianas (cinco vezes mais do que foi feito 2006).

Cerca de 20% dos atendimentos dos serviços de urgência dos hospitais são por causa de agressão e de acidentes de trânsito. A procura gera filas e sobrecarrega as equipes hospitalares do serviço público. Como conseqüência, quem procura o atendimento de urgência e que não corre de risco de morte acaba tendo de esperar. “Às vezes a pessoa tem que aguardar muito para ser atendida. Chega alguém esfaqueado que passa na frente. Isso repercute no atendimento de serviço de urgência”, aponta a coordenadora da área técnica de vigilância e prevenção de violência e acidente do Ministério da Saúde, Marta Maria Alves da Silva.

Segundo o secretário de Estado da Saúde, Gilberto Martin, a violência é o fator que mais impacta na situação atual de falta de leitos de urgência e emergência. Ele também cita a distribuição equivocada de leitos, que centralizou o atendimento em pólos do estado, e o aspecto positivo da melhora na capacidade do primeiro atendimento às vítimas, através do Siate, Samu e do suporte avançado de vida.

O Paraná gastou, em 2007, R$ 48,9 milhões em internações por causa da violência. Segundo o secretário, dois hospitais regionais poderiam ter sido construídos com o valor – que pode estar subestimado. “Há o salário das pessoas que trabalham, despesas com manutenção dessa estrutura, locomoção. Tem outro volume de despesas que não está computado”, afirma Martin.

A verificação ocorre num momento em que Curitiba e região metropolitana enfrentam uma crise de leitos. Em alguns horários do dia, hospitais têm que ligar ao Siate pedindo que não encaminhem pacientes, devido à sobrecarga. No Hospital do Trabalhador, por exemplo, a média dos atendimentos motivados por agressão ou trânsito sobre para 22,78%.

A diretora do Centro de Epidemiologia da Secretaria Municipal de Saúde, Karin Regina Luhn, explica que o investimento em ações de prevenção tenta reduzir outros tipos de internamentos. “Por causa disso é que, proporcionalmente, as causas externas estão pesando mais”, diz.

De acordo com a coordenadora do Ministério da Saúde, Marta Maria Alves da Silva, a partir do momento em que se elaboram políticas públicas eficazes e efetivas, a tendência é de diminuição dos internamentos por causa da violência. Ela cita o resultado do Estatuto do Desarmamento, que reduziu o número de óbitos a partir de 2004. “(A violência) não é um vírus ou uma bactéria. É algo externo e totalmente evitável.”

Custos

As causas externas representam o terceiro maior gasto em internamento e a terceira causa de internação, atrás de doenças do aparelho circulatório e neoplasias (câncer). Cada internamento hospitalar motivado pela violência custa R$ 200 a mais do que o valor médio de uma internação, em Curitiba. A média de valor de todas as internações na capital é de R$ 1.023, enquanto as motivadas por pela violência e acidentes de trânsito custam em média R$ 1.197 – 17% a mais.

Em 2002, a diferença do valor de internamentos totais para os da violência era de 0,5%, com os custos de R$ 828 e R$ 832, respectivamente. Segundo a diretora do Centro de Epidemiologia da Secretaria Municipal de Saúde, Karin Regina Luhn, o aumento aconteceu porque uma vítima da violência demanda procedimentos mais complexos.

O valor, no entanto, não leva em conta o custo deste paciente após a internação. “Em termos de trauma físico, o paciente pode ficar com seqüelas, não andar mais, precisar de prótese”, exemplifica Karin. “O dado de internamento é uma pequena fatia de todo o impacto que as causas externas podem ter sob a saúde.”


Imprudência é a principal característica

Casos de violência são marcados pela imprudência, tanto dos agressores quanto das vítimas. No caso do mecânico Rafael Weiss, 21 anos, atropelado há uma semana, se o veículo que causou o acidente não estivesse na contramão, ele não estaria internado.

Além da imprudência do motorista, Weiss confessa que ele e a namorada também não atravessaram a rua no local adequado. Os dois desceram do ônibus e cruzaram a rua cortando a frente do veículo. Não viram o motorista que vinha pela contramão. Depois de ser arremessado contra o pára-brisa, Weiss caiu no asfalto e foi arrastado pelo automóvel. “É muito rápido, a gente só vê o reflexo. Ficou tudo preto (depois que o carro parou), só pensei: tô morto agora.”

O marmoreiro Laudair Antonio Tibias Ventura também foi vítima da imprudência. Ele estava indo de moto buscar um primo, quando um carro veio em sua direção. Apesar de ele ter tentado desviar, o automóvel atingiu sua perna direita.

Os dois pacientes estão internados no Cajuru e irão ficar pelo menos mais uma semana hospitalizados. (BMW)


Ação da polícia é 3.ª causa de atendimento

Intervenções policiais geram o terceiro maior atendimento dentre os motivados pela violência nos serviços de urgência e emergência, conforme dados do sistema de Vigilância de Violências e Acidentes (Viva), do Ministério da Saúde. A pesquisa constatou que, em um mês, os atendimentos por intervenção da polícia geraram 80 notificações, das quais 72 envolveram homens (90%) e 8 mulheres (9%).

Segundo a coordenadora da área técnica de vigilância e prevenção de violência e acidente do Ministério, Marta Maria Alves da Silva, tem crescido muito o número de atendimentos por causa da intervenção policial. “Está chamando a atenção. Não estamos imputando nenhum julgamento de valor, só estamos mostrando um dado. Cabe aprofundar essa informação. É abuso de autoridade?”, indaga.

Marta diz que “basta ver no dia-a-dia as matérias de jornal” para se ter uma percepção. Um caso que repercutiu em todo o país foi o assassinato de João Roberto Amorim Soares, de 3 anos, por policiais no Rio de Janeiro. No Paraná, há um mês, mãe e filha foram baleadas por policiais em Balsa Nova. Na madrugada de ontem, policiais mataram uma jovem de 21 anos em Porto Amazonas, na região dos Campos Gerais.

A coordenadora observa, no entanto, que os casos por intervenção policial representam 1% dos atendimentos. Cerca de 90% são agressões e maus tratos, que geraram 4.946 notificações, principalmente entre os homens. Em segundo lugar estão os atendimentos por tentativa de suicídio. A pesquisa foi realizada em 84 unidades de atendimento em 37 municípios, com dados coletados entre setembro e outubro de 2007. (BMW)


Gazeta do Povo.

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