domingo, 13 de julho de 2008

Tolerância zero de álcool divide especialistas




Os acidentes de trânsito estão entre as cinco primeiras causas de morte no Brasil. Segundo o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), o gasto anual com acidentes de vítimas de trânsito, dos quais um terço são causados pelo álcool, é de R$ 30 bilhões. Em todo o mundo, o álcool causa 3,2% das mortes, o correspondente a 1,8 milhão de pessoas, de acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS). Dessas mortes, 90% estão em países em desenvolvimento, nos quais as leis sofrem menor fiscalização. Esses números foram mais que suficientes para que o governo brasileiro resolvesse alterar o Código de Trânsito Brasileiro com a Lei 11.705, gerando tolerância zero com quem dirige com qualquer quantidade de álcool no sangue.

Longe de um consenso, a lei está sendo criticada principalmente pela dúvida na sua eficácia, o que dependeria de uma fiscalização rígida e constante. Para o presidente da seção Paraná da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-PR), Alberto de Paula Machado, a lei está fora da realidade brasileira. “Não somos contrários ao controle do consumo de bebidas, que tem sido causador de inúmeros acidentes. Mas essa lei não está acompanhada de fiscalização rigorosa, porque não há instrumentos para isso. Nem mesmo a lei anterior, mais branda, foi fiscalizada, o que demonstra a péssima eficiência do Estado”, analisa.

Embora comemorada pela Associação Brasileira de Medicina de Tráfego (Abramet), a nova lei preocupa a entidade. “O Brasil sinalizou que não quer conviver negligenciando a morte no trânsito. Esperamos que essa decisão seja efetiva para que a lei não vire letra morta”, disse o diretor-científico da Abramet, José Montal. A estimativa nacional da Abramet indica que nessas últimas semanas a redução no número de acidentes no trânsito foi de cerca de 35%.

Inevitável está sendo a comparação com a edição do novo Código de Trânsito Brasileiro, em 1997. “Naqueles primeiros meses, houve queda de 20% no número de acidentes e de mortos. A partir do momento em que a população percebeu que a lei não era para valer, que não havia controle do Estado e que a fiscalização era falha, os números começaram a retornar paulatinamente”, relembrou. Montal acredita que, diferente de uma década atrás, os policiais estão mais bem preparados. A recomendação da OMS, seguida por muitos países europeus, considera ideal que um terço dos condutores passem por algum tipo de controle do Estado, periodicamente. Fazendo-se presente, a fiscalização mostra que o governo está alerta.

Dose segura

Para a Abramet, não existe a tal dose segura para dirigir. “Como a reação ao álcool é individual e vários fatores interferem, não tem um padrão seguro. Na primeira dose, já se multiplica por três a chance de acidente”, afirmou Montal.

Opinião diferente é a do procurador de Justiça aposentado Damásio de Jesus, que questiona a expressão “sob influência do álcool” redigida na lei. “‘Sob efeito do álcool’ é dirigir anormalmente, o que quer dizer subir na calçada, exceder velocidade ou fazer ultrapassagem perigosa. Se o motorista está dirigindo normalmente não há infração”, defende.

Rigor internacional

Com a aprovação da Lei 11.705, o Brasil se juntou aos países mais rígidos na punição de motoristas alcoolizados, como Armênia, Hungria e Croácia, que não permitem qualquer limite de álcool para dirigir. Segundo o International Center for Alcohol Policies (Centro Internacional de Políticas para o Álcool), Estados Unidos, Canadá e Reino Unido têm um limite de 0,8 grama de álcool por litro de sangue, o maior entre os países catalogados pelo órgão. Em países europeus, como França e Alemanha, o limite é de 0,5 grama por litro de sangue.

Blitz

A reportagem de O Estado acompanhou uma blitz da Polícia Rodoviária Federal na última quinta-feira à noite, em Curitiba. Um dos motoristas autuados teve 1,3 grama de álcool por litro de ar expelido, medição feita após se envolver em um acidente. Mas a maioria dos motoristas não apresentou ingestão de álcool. Abordado pela blitz, o vendedor Júlio Batista, de 27 anos, foi um dos que passaram pelo teste. “Acho a medida positiva, porque o que já se vê de acidente sem o motorista estar bêbado já é muito. Imagine com a bebida”, opinou. Caso seja pego no teste do bafômetro com 0,1 grama de álcool por litro de ar expelido, o motorista tem o direito de dirigir suspenso por um ano, o veículo retido até a apresentação de condutor habilitado e multa de R$ 955. Acima do índice de 0,3, o motorista também é detido.

Bafômetros são aferidos no PR

Em todo o Paraná, existem 16 etilômetros - o nome técnico do bafômetro - da Polícia Rodoviária Federal (PRF), outros 20 da Polícia Rodoviária Estadual (PRE) e 137 da Polícia Militar (PM), sem contar os que alguns municípios possuem. Como cada pessoa absorve o álcool de forma diferente e a medição depende, além da quantidade de álcool ingerida, de fatores como peso, ingestão de alimentos e se a pessoa dormiu ou não, a recomendação da PRF é não ingerir quantidade alguma de bebida alcoólica ao dirigir. Imprecisões na medição do bafômetro são apontadas pelo diretor de Operações do Instituto Brasileiro de Qualidade e Produtividade (IBQP), Júlio Felix. “No caso da pessoa diabética, a glicose é acumulada pelo organismo. Numa situação de estresse, ao medir o ar do pulmão, o diabético emite álcool”, explicou. Ele conta que já houve casos - antes da nova legislação - de diabéticos envolvidos em acidentes e apontados como culpados por apresentarem álcool no sangue.

Aferição

O uso e a regulamentação da medição do álcool pelo bafômetro começaram a ser discutidos pela PRF em 1999. Hoje, há pelo menos três marcas diferentes em uso pelas autoridades de trânsito do Estado, de acordo com Sibele Bolincenha, técnica da Divisão de Verificação de Instrumentos do Instituto de Pesos e Medidas (Ipem) do Paraná. A PRE usa aparelhos importados, da marca francesa Seres. Já a Diretran e a PM usam os modelos BAF, fabricados no Brasil pela LPC Micro Eletrônica Ltda. E a PRF usa o aparelho Intoxilizer, fabricado nos Estados Unidos pela marca CMI Inc, o mesmo usado pela polícia norte-americana. Cada aparelho, adquirido por meio de licitação, custa R$ 6,7 mil. Segundo Bolincenha, todos eles, menos os usados pela PRF, têm que receber certificação do Ipem estadual e passam por vistorias anuais. O Ipem também pode realizar testes em bafômetros comprados para uso particular. Os testes custam R$ 440. Porém, a técnica lembra que, mesmo com a certificação, os resultados de testes feitos em aparelhos de uso particular não têm validade oficial.


O Estado do Paraná.

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