sexta-feira, 25 de julho de 2008

Polícia do Rio encontra indício de apoio do tráfico a candidato da Rocinha em 'ata de reunião'

A polícia do Rio encontrou nessa quinta-feira na Favela da Rocinha, na Zona Sul da cidade, um documento supostamente elaborado pelo traficante Antonio Francisco Lopes, o Nem, no qual ele orienta a associação de moradores da comunidade a fazer campanha para um determinado candidato a vereador. No texto há determinações expressas, exigindo "todo empenho para o candidato da Rocinha, não aceito derrota!!!"

Segundo a polícia, o documento, que "se assemelha a uma ata de reunião", orienta os moradores a, supostamente, se empenharem na campanha de Luiz Cláudio de Oliveira, conhecido como Claudinho da Academia, que é líder comunitário e candidato pelo PSDC. Procurado pela Reuters, Oliveira não foi localizado, mas nega que seja candidato do tráfico.

Além disso, o documento, de duas páginas, que lista nove itens que seriam discutidos numa reunião na favela, supostamente elaborado pelo traficante, proíbe que os moradores façam campanha e convidem para a Rocinha candidatos de fora da comunidade. Os nomes de ex-líderes comunitários da Rocinha aparecem no documento e a polícia já começou a investigá-los.

- Ele está impondo o voto ao candidato dele e que ele vai apoiar - disse o delegado Alan Turnovisk, que comandou a operação na favela para apreensão de armas e drogas e para prisão de traficantes, quando um homem morreu e dois ficaram feridos em confrontos com a polícia.

Para o delegado, o documento prova que o tráfico transformou a favela num curral eleitoral.

- Esses currais eleitorais devem ser combatidos não só pela polícia, mas pelo Ministério Público, TRE e orgãos competentes - acrescentou.

O delegado não soube precisar se a ata diz respeito somente ao apoio a candidatos a vereador ou se é extensiva à eleição para prefeito.

- Não importa para quem é. Não podemos deixar que o tráfico crie currais eleitorais dentro da favela - disse o delegado.

A última recomendação da ata apreendida diz que pedido do candidato da Rocinha não pode ser negado em nenhum segmento (vans, mototáxis). Na lista de assuntos a serem tratados na reunião também está o tema das vans, que não foi detalhado. Há ainda nomes de pessoas e o que deverá ser tratado com cada uma delas.

Juiz afirma que há indício de coação a eleitores

O coordenador estadual da fiscalização da propaganda eleitoral, juiz Luiz Márcio Pereira, afirmou nesta quinta-feira que enviará ofício à Chefia de Polícia Civil solicitando que a ata apreendida na Favela da Rocinha seja enviada à Delegacia de Assuntos Institucionais da Polícia Federal e para o Ministério Público. Segundo ele, a função do Tribunal Regional Eleitoral (TRE) no caso é reunir as informações e encaminhá-las para a PF, que está investigando os currais eleitorais.

- O documento é apócrifo, mas existem menções claras de que o candidato da Rocinha não poderá sofrer nenhum tipo de negativa. A redação do documento é bastante incisiva em relação a uma possível coação. Mas as circunstâncias da apreensão da carta serão avaliadas pela PF - disse o juiz, que explicou qual o papel do TRE no caso: - Não atuamos como polícia, nem damos segurança a candidatos.

O juiz informou que, se for comprovada a pressão em torno de eleitores para que escolham apenas um candidato na comunidade, o responsável pode ser processado por coação ao voto:

- A condenação pode ir até a quatro anos de reclusão. Os beneficiados também respondem ao crime e podem perder o registro da candidatura. Caso eleitos, podem ter o mandato impugnado.

Currais eleitorais formados pelo tráfico não foram o único assunto ontem no TRE. O presidente da CPI das Milícias na Assembléia Legislativa do Rio, deputado Marcelo Freixo (PSOL), entregou solicitação para obter o resultado das duas últimas eleições em áreas consideradas dominadas por milicianos. A intenção é verificar quem pode se beneficiar dessa prática.

- São 13 áreas levantadas pelo Disque-Milícia. Queremos ver o resultado das eleições de 2004 e 2006. Alguns dos mais votados podem ser convocados para prestar depoimento na CPI e poderão estar no relatório final, que será concluído em novembro.

Cobrança entre líderes para obediência política

O nome João Lúcio, no item dois, pode ser referência ao dono de uma empresa de material de construção que atua na Rocinha. O texto da ata indica que ele não iria apoiar Claudinho da Academia. O trecho "falou que só tinha um voto e até o da mulher ia tentar conseguir" mostraria que nem o voto da esposa ele garantiria, na interpretação da polícia.

O William citado no item três seria o ex-presidente da União Pró-Melhoramento dos Moradores da Rocinha William de Oliveira. Ele teria dado declaração na imprensa, há dois meses, sobre um suposto toque de recolher que existiria na comunidade. O texto representaria uma cobrança a William, já que ele não é mais presidente da associação: "Matéria do jornal sobre toque de recolher. Qual o seu objetivo? Liderança institucional não é mais você". O quarto ponto é uma possível referência a Wallace Pereira, presidente da Associação de Moradores e Amigos do Bairro Barcelos (Amabb).

O trecho que fala do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) do governo federal seria uma cobrança de Nem sobre o uso de um campo de futebol que serviu de canteiro de obras. O dinheiro da indenização não teria sido distribuído corretamente entre moradores da região. O nome do item cinco indica alusão a Waldemar do gás, dono de um depósito de gás na região. Ex-vice-presidente da Associação de Moradores da Rocinha, ele teria rompido com Claudinho. Poderia perder a autorização para vender gás na região.

O Tribunal Regional Eleitoral (TRE) do Rio vem recebendo várias denúncias de que candidatos estão sendo proibidos por traficantes e milícias de entrar em comunidades carentes e favelas para fazer campanha eleitoral. O veto estaria ligado à preferência dos traficantes e milicianos por determinados candidatos de suas comunidades.

Esta semana, a candidata do PT à Câmara Municipal Ingrid Geromilich teve de pedir auxílio a policiais e fiscais do TRE para poder fazer panfletagem e corpo a corpo dentro da Rocinha.


O Globo.

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