segunda-feira, 14 de julho de 2008

Artigo: Um delito de imigração

No momento em que o Brasil comemora os cem anos da imigração japonesa, reconhecendo a colaboração desses imigrantes na construção do nosso país, o Parlamento Europeu aprova a chamada “Diretiva do Retorno”, política de endurecimento à imigração e que provoca reações indignadas de todos os governos latino-americanos.

A diretiva, que entrará em vigor em dois anos, tem como objetivo adaptar a Europa aos novos tempos de liberalismo e globalização. Após o Tratado de Maastricht, as legislações nacionais de imigração foram reformadas. Os processos para obtenção de vistos para estudantes e trabalhadores passaram a observar rigorosos procedimentos e houve redução progressiva no direito de asilo. Nos últimos tempos, tornaram-se comuns as deportações injustificadas de latino-americanos em aeroportos da Europa e as cruéis deportações de africanos sobreviventes de Gibraltar.

Segundo o texto da diretiva, aqueles imigrantes que não regressarem aos seus países de origem voluntariamente em até 30 dias, poderão ser detidos por até 18 meses. A formulação é ambígua e traduz uma verdadeira obrigação acompanhada de ameaça, um “delito de imigração”.

Ademais, o estrangeiro que tenha sido deportado terá interdição de entrada de até cinco anos, não podendo retornar ao país durante esse período, em ação similar ao instituto da expulsão. Esse período poderá ser ainda maior em caso de a detenção ter como causa ameaças à segurança. De acordo com a diretiva, até mesmo crianças poderão sofrer a detenção, ainda que gozem de tratamento diferenciado.

A situação que causou maior polêmica foi o custeamento da assistência jurídica aos detentos, visto que alguns países estavam reticentes em arcar com esses custos. Na dúvida, será prerrogativa do Estado oferecer ou não a assistência jurídica gratuita. Portanto, dependendo do país, se o estrangeiro não tiver condições de custear a defesa dos seus direitos básicos, poderá ficar sem qualquer auxílio.

A Diretiva da Deportação, ou da Vergonha, revela-se uma verdadeira lei de expulsão dos imigrantes, violando direitos fundamentais consagrados e fazendo retroceder conquistas da humanidade, adquiridas por meio da Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 1948, em particular as garantidas no artigo 13, que reza: I) Toda a pessoa tem o direito de livremente circular e escolher a sua residência no interior de um Estado. II) Toda a pessoa tem o direito de abandonar o país em que se encontra, incluindo o seu, e o direito de regressar ao seu país.

Inspirados em ideologias de natureza xenófoba, que ignoram a motivação, os laços familiares, laborais, as intenções e a importância dessas pessoas para o desenvolvimento da economia européia, o Parlamento provoca a comunidade internacional para a pior reação possível, a legítima e soberana aplicação do princípio da reciprocidade.

A América Latina acolheu a miséria e o desespero dos imigrantes europeus em diferentes levas, sempre com respeito e humanidade. Chegaram cansados, com medo e desesperançados, sem documentos ou visas, e foram simplesmente bem-vindos. O fenômeno migratório faz parte da história da humanidade e a Europa de hoje esquece o seu passado. Não pretende compartilhar os benefícios da globalização que afere, vendendo produtos e ampliando o comércio dentro dos mesmos países que agora pretende desrespeitar.

Por:

Carol Proner é professora do Programa de Mestrado da UniBrasil e do Programa de Doutorado Derechos Humanos y Desarrollo, da Universidade Pablo de Olavide, Espanha.
carolproner@uol.com.br

Gisele Ricobon é formada em Direito pela UFPR e é coordenadora do curso de Relações Internacionais da UniBrasil. giselericobom@hotmail.com


O Estado do Paraná, Direito e Justiça, 13/06/2008.

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