segunda-feira, 28 de julho de 2008

'É mais fácil estudar cem crianças do que uma gangue'

"Não há nenhuma maneira cientificamente comprovada de resolver o problema das gangues. É mais fácil estudar uma, ou mesmo uma centena de crianças, do que estudar uma gangue".



A afirmação é de Cathy Ward, especialista-chefe de Pesquisa do Grupo de Desenvolvimento da Criança e da Família do Conselho de Pesquisa em Ciências Humanas da África do Sul. Seu último trabalho, 2007 Child Participation Study (Estudo de Participação da Criança), convidava as crianças da Cidade do Cabo a falarem sobre a vida com as gangues, incentivando-as a se expressarem livremente, num ambiente seguro.



Agora, Ward – juntamente com Adam Cooper – apresenta um novo estudo, encomendado pela ONG sul-africana Recursos para a Prevenção da Negligência e Abuso Infantil (Rapcam). O artigo científico “Prevention, Disengagement and Suppression: A systematic review of the literature on strategies for addressing young people’s involvement in gangs” (Prevenção, desmobilização e repressão: uma análise sistemática da literatura sobre estratégias para lidar com o envolvimento de jovens em gangues) tem o objetivo de responder a uma necessidade premente:



“Depois que terminamos o trabalho "Participação da Criança" junto com o Instituto de Estudos em Segurança (IES), a Rapcam nos pediu para avaliar o que é de fato eficiente quando se trabalha com gangues”, diz Ward. Ela acrescenta que o Instituto está utilizando o trabalho como parte do seu programa de treinamento. O estudo inclui prevenção da violência, repressão a gangues e o que é descrito como desmobilização – o afastamento de crianças e jovens do envolvimento com gangues.



Afirmar boas soluções



Em sintonia com outros formuladores de políticas, Ward diz que já se foi o tempo das idéias simplistas. “Muitas vezes, as pessoas não sabem por onde começar; espera-se que este artigo científico sirva como um guia para que passem longe das más idéias”, explica.



Quando lhe é pedido que descreva uma dessas más idéias, aponta o programa “Scared Straight” (Intimidação imediata, em tradução livre), usado nos Estados Unidos. No programa, agentes penitenciários conduziam jovens em um tour pelas prisões. A idéia era que isso servisse como um fator de dissuasão. No entanto, o resultado foi exatamente o oposto – os jovens voltavam das visitas com a noção de que “você pode sobreviver ao encarceramento”.



“Em vez de apenas negar as idéias ruins, a grande idéia afirmativa é: prevenção de gangues significa uma combinação de programas”, diz Ward. O que funciona – para os autores de “Prevenção e desmobilização” – é, na verdade, combinar prevenção e repressão, e oferecer uma alternativa, como empregos para jovens expostos a gangues.



“O que você precisa é de um programa de esportes com um componente extra de capacitação”, diz Ward. Os autores assinalam que – particularmente quando se trata de programas de repressão – é importante oferecer aos jovens em situação de risco oportunidades para que tenham um bom comportamento, para conseguirem empregos, e o resultado ser positivo afinal.



Ainda que os autores não defendam a descriminalização de jovens membros de gangues, eles chamam a atenção para as condições sociais que criam e mantêm as estruturas das gangues. Para os autores, a questão é especialmente preocupante na África do Sul, onde setores da população foram historicamente privados das oportunidades econômicas.



“Se você se concentra meramente na repressão, pode até impedir as pessoas individualmente de continuarem seus crimes, mas o poder das gangues de atrair novos membros permanece intocado. Ao pensar numa política para o problema, você deve considerar a estrutura que está presente, e não apenas os indivíduos envolvidos”, diz Ward.



De acordo com a autora, muito do trabalho que tem sido feito – com sólida base científica – tem a ver com mudar o comportamento das crianças enquanto indivíduos. Não há, no entanto, nenhuma forte evidência científica de como – nas palavras de Ward – “livrar-se de uma gangue”.



O desafio da prevenção da violência, na opinião de Ward, é alcançar o real entendimento da violência das gangues. "A existência das gangues está conectada à economia, à comunidade, tem uma história - membros de gangues têm suas próprias histórias", explica.



O desafio de coletar evidências científicas



Na análise da literatura existente, os autores enfatizam a dificuldade de se obter - ao trabalhar com gangues - o mesmo padrão de evidência que se obtém quando se trabalha com indivíduos. “Pegue cem crianças, individualmente; você pode compará-las com outras 100 crianças que não estão tendo essa intervenção. Você pode escolher aleatoriamente tanto aquele grupo como este, o 'grupo de controle'. Você terá então o que chamamos de experimento de controle randomizado. Agora, não é possível fazer o mesmo com uma gangue", afirma.



O estudo "Prevenção e desmobilização" oferece uma visão geral de um conjunto de boas idéias que parecem ter funcionado em outros países. A tarefa dos formuladores de políticas públicas é adaptá-las às realidades locais, replicar o que for interessante, e avaliar o processo.



A maioria dessas idéias, de acordo com Ward, vêm dos Estados Unidos, "e assim como devemos ser cuidadosos ao transferir idéias de Nova York a Lousiana, devemos ter muito cuidado ao levá-las a um novo contexto em qualquer outro lugar do mundo", avisa.



O momento é propício para ir a campo em busca de dados sobre a questão. "É verdade que as pessoas mais afetadas pela violência de gangues estão às margens das políticas públicas, mas - ao menos aqui na África do Sul - a iniciativa privada está sendo afetada, e contamos com bastante vontade política", diz.



Os autores mostram exemplos de sucesso em redução de níveis de violência também na América do Sul, como as cidades de Medellín, na Colômbia, e Diadema, em São Paulo. "Esses são certamente os melhores exemplos para se prestar atenção hoje; ambas as cidades combateram a violência com sucesso, mas se elas conseguiram conter a violência de gangues ainda é um mistério", diz Ward, que acrescenta, esperançosa: “O mundo todo está de olho".


Comunidade Segura.

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