quinta-feira, 3 de julho de 2008

Gestante viajou 13 horas até Belém em busca de atendimento

Com gravidez de risco, jovem foi liberada pela Santa Casa; perdeu os gêmeos no domingo

Grávida de gêmeos, Michele Progênio não queria dar à luz na Santa Casa de Misericórdia de Belém. Viajou por 13 horas - de ônibus e barco - de Muaná, na Ilha do Marajó, até a capital do Pará, com indicação para fazer cesárea o mais rápido possível. Aos 19 anos, desempregada, semi-analfabeta e com uma gravidez de risco, já tinha ouvido falar da falta de estrutura do hospital onde 22 bebês morreram em menos de um mês.

Internada no dia 23 de junho, foi mandada de volta para casa três dias depois. Os médicos lhe disseram para esperar mais uma semana e procurar o hospital de Abaetetuba para fazer o parto normal. Os irmãos, no entanto, insistiram para que ela aguardasse em Belém, na casa de parentes. No domingo, a gravidez de Michele completaria os nove meses. Pouco mais de 48 horas após receber alta, ela deu entrada novamente no hospital, com forte hemorragia.

Domingo, às 11h30, a jovem perdeu os gêmeos. Ontem pela manhã, apenas os irmãos de Michele foram ao enterro dos bebês, enquanto ela continuava internada. Ao lado de outros dois pequenos caixões - também vindos da Santa Casa - os gêmeos foram sepultados em uma cova rasa do Cemitério Municipal Tapanã, onde os recém-nascidos ocupam 20% da área. "Esses bebês são os únicos que vão pagar pelo erro do hospital", diz Maria Georgina Progênio, irmã de Michele.

Abatida e desorientada, a jovem saiu ontem à tarde do hospital, após o enterro dos bebês, sem entender direito o que estava acontecendo. Pegou um ônibus e uma hora depois chegou à casa humilde de uma cunhada, na periferia de Belém, com uma pequena muda de roupas dentro de um saco plástico. Segundo ela, recebeu alta sem nenhum tipo de explicação. "No domingo, uma enfermeira entrou no quarto e me disse que eles estavam mortos. Foi só isso."

Nem mesmo a médica que atendeu Michele na semana passada e a mandou embora ainda grávida deu qualquer tipo de explicação para ela ou para a família. Dionísa Leão Progênio, cunhada da jovem, no entanto, ouviu de um funcionário do hospital uma explicação. "Eles estavam assustados com as mortes dos outros bebês e resolveram mandar ela embora porque a gravidez era de risco", diz. "Acho que não quiseram assumir mais esse problema."

ESTRUTURA

Michele é um retrato da situação do sistema de saúde do Pará. Sem condições de ser atendida em sua cidade, assim como a maioria das outras mulheres que perderam seus filhos na última semana na Santa Casa, foi enviada para a capital - onde continuou desassistida. "Eles podiam ter feito o parto no dia em que cheguei pela primeira vez. Aí isso não estaria acontecendo", desabafa. Procurada pela reportagem, a Santa Casa não deu informações.

Ontem, técnicos do Instituto Médico Legal (IML) e da Divisão de Atendimento e Tratamento ao Adolescente (Data) estiveram no hospital para investigar as causas das mortes dos 22 bebês, atendendo solicitação do Ministério Público Estadual. Os peritos avaliaram condições sanitárias das instalações, recolheram material farmacêutico e tentaram identificar fatores de risco para a segurança dos pacientes. A Secretaria de Estado da Saúde, que no início afirmava que as mortes estavam dentro de um parâmetro estatístico aceitável, acompanha o caso sem dar maiores informações. Uma equipe técnica foi montada para apontar as causas das mortes. Um grupo do Ministério da Saúde também acompanha as investigações.

As técnicas Elza Giugliani e Daphine Rottner têm até o final desta semana para entregar um relatório. O presidente do Sindicato dos Médicos do Estado, Luis Sena, diz que os profissionais da Santa Casa não estão sendo ouvidos e, por isso, pretende formalizar queixa ao ministério.


Estadão.

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