quinta-feira, 10 de julho de 2008

A epidemia do crack

Persistência no uso, crime, prisão e morte aparecem como os destinos mais prováveis para os usuários de crack em um estudo inédito que acompanhou ao longo de 12 anos alguns dos primeiros dependentes da droga no país. Realizado por pesquisadores da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), o trabalho investigou o que aconteceu com os 131 pacientes da pedra internados entre 1992 e 1994 no Hospital de Taipas, na Capital paulista, pioneiro no atendimento a usuários.

O levantamento completo, um dos poucos do gênero no mundo, só estará concluído no final do ano, mas os dados foram antecipados a ZH para serem incluídos na série A Epidemia do Crack.

A psicóloga Andréa Costa Dias averiguou a situação, em 2005 e 2006, de 107 dos integrantes do grupo. O resultado foi aterrador: 27 mortos, 13 presos, 22 em uso de crack e dois desaparecidos. No momento das entrevistas, 43 estavam sem fumar a droga havia pelo menos um ano, mas parte deles alternava períodos de abstinência com os de uso. O dado positivo em meio ao quadro desolador é que existe esperança de recuperação: 31 pessoas relataram estar longe da droga por mais de cinco anos.

O estudo, trabalho de doutorado da psicóloga, retoma a pesquisa do psiquiatra Marcelo Ribeiro de Araújo, também da Unifesp, que fotografou a situação dos 131 dependentes em dois momentos dos anos 90. Os resultados permitem entrever a escravidão imposta pelo crack ao longo do tempo para a maior parte de suas vítimas.

Um dos resultados alarmantes foi a associação clara entre o crack e o crime. Nos cinco anos depois da alta, 38,7% dos pacientes praticaram atos ilícitos e 29,7% foram presos. Quando retomou os dados, no biênio 2005-2006, Andréa verificou que os índices foram a 61% e 43%, respectivamente, ao longo dos 12 anos. A violência também está por trás da taxa elevada de óbitos. Dos 27 mortos, 16 foram assassinados. Os principais motivos dos homicídios, segundo as famílias, consistiram em punição por dívidas com traficantes, envolvimento em gangues e conflitos com a polícia. As outras mortes foram causadas por aids (seis), overdose (três), afogamento (uma) e hepatite (uma).

- As mortes estão ligadas menos a alguma lesão que o crack possa causar do que ao modo de vida que o usuário adota - afirma Ribeiro.

O índice de usuários que estavam abstinentes (sem uso no ano anterior) nos diferentes momentos em que houve entrevista sempre foi significativo, mas ao esmiuçar os dados os pesquisadores verificaram que esse grupo era flutuante. Entre 1994-1995 e 1998-1999, o número de abstinentes passou de 29 (22,1%) para 52 (39,7%). Mas a análise indicou que, dos 29 abstinentes do primeiro período, só 18 seguiam nessa condição quatro anos depois.

- A gente percebeu que existe a possibilidade da abstinência, mas ela nem sempre é estável. O fantasma do crack segue rondando - diz o psiquiatra.

A melhor novidade veio no biênio 2005-2006, com o grupo de 31 abstinentes por período superior a cinco anos localizados por Andréa. Ao se debruçar sobre esse grupo, ela fez uma descoberta surpreendente: não havia diferença entre o histórico de internações e tratamentos dos abstinentes e o dos que não conseguiram deixar a droga.

- Está claro que passar por um tratamento não é o fator mais significativo. Em geral, o que essas pessoas apresentaram em comum foi o fato de viver um momento forte de virada, que pode ter sido abraçar uma crença religiosa, encontrar um amor, engravidar ou sofrer uma perda séria por causa do crack. Não é o tratamento que está colaborando, mas a motivação pessoal. Isso mostra que é preciso repensar o modelo de saúde - alerta Andréa.


Zero Hora.

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