sábado, 12 de julho de 2008

A epidemia do crack - As lições dos Estados Unidos

Em um dia de 1989, na hora do pico, 149 trens do sistema de metrô de Nova York param de funcionar. O motivo é o mesmo que hoje submete gaúchos a freqüentes apagões: o furto de fios de cobre para financiar a compra de crack.

Como o Rio Grande do Sul de agora, os Estados Unidos de então estavam atolados em uma epidemia da pedra. Apenas em Nova York, havia 12 mil pontos de venda. O índice de homicídios chegava a 2,2 mil por ano, mais de quatro vezes o atual. Na capital do país, Washington, o uso era tão disseminado que até o prefeito, Marion Barry, foi flagrado fumando crack e acabou preso.

O quadro de desorientação e medo durou de 1984 a 1990, período definido pelas autoridades como de epidemia. A pedra se disseminou e gerou uma avalanche de assaltos, assassinatos e guerras entre traficantes. Então, repentinamente, os crimes despencaram para o patamar de 40 anos antes. Entender o que aconteceu nos Estados Unidos pode oferecer lições preciosas aos gaúchos.

- Conseguimos pôr um fim à epidemia reforçando leis antidrogas e prevenção. Essas são as chaves do nosso sucesso. Mas demoramos demais para fazer o que era preciso. Espero que o Brasil não repita nosso erro - disse, em entrevista a Zero Hora, Robert Bonner, que comandou a Drug Enforcement Administration (DEA), agência antidrogas norte-americana, de 1990 a 1994, período de declínio da epidemia.

No início, atribuiu-se a redução da violência à adoção de estratégias policiais inovadoras, como o Janelas Quebradas, programa adotado em Nova York pelo prefeito Rudolph Giuliani, que reprimia pequenos delitos, como pular a roleta do metrô, na presunção de que isso prevenia crimes mais sérios. Mas a estratégia pode não ter tido impacto. A epidemia de crack e a violência a ela associada não recuaram só em Nova York, mas em todas as cidades norte-americanas - mesmo naquelas que cruzaram os braços. A explicação para o país ter conseguido estrangular a violência do crack estaria em ações bem menos espetaculosas: reforço no número de policiais, prisões em massa e penas mais rigorosas, especialmente para o tráfico de crack, o que gerou críticas na época.

- Essas medidas foram justificadas por causa dos prejuízos sociais desproporcionais causados pelo tráfico, uso e dependência causada pelo crack - defende Bonner.

O país, no entanto, amarga um fracasso. A violência desapareceu e tirou o crack das manchetes, mas o uso da droga e o sofrimento pessoal que ela causa ainda é elevado. Hoje ainda se consome em torno de 70% do crack que se fumava no período considerado de epidemia.

Uma pesquisa nacional de 2006 revelou que 8,6 milhões de norte-americanos com 12 anos ou mais relatam uso de crack na vida (3,5% da população na faixa etária). Os novos viciados continuam surgindo em grande número: 245 mil admitiram ter fumado pela primeira vez no ano anterior. Pesquisadores alertam que a epidemia continua e que o Brasil deve evitar o erro norte-americano, investindo também em tratamento. Bonner justifica a preferência pela repressão:

- Não existe cura para a dependência de crack. Tratamento, ainda que deva ser oferecido, é uma das coisas menos eficazes e mais caras que podem ser feitas. E nunca dá o resultado obtido com a coação e a prevenção.


O êxito da Europa:

- Apenas duas cidades na Alemanha enfrentam o consumo e o tráfico de crack, e o número de usuários da pedra segue em queda. Esse é o diagnóstico do pesquisador Christian Haasen, do Centro de Pesquisa Interdisciplinar em Adicção da Universidade de Hamburgo
- O crack não se espalhou pela Europa. Mas, em 2001, essa ainda era uma preocupação: foi nesse ano que Haasen publicou o artigo Mitos versus Evidência em relação à Cocaína e ao Crack: Aprendendo com a Experiência Americana
- As conclusões apontavam para a importância da inclusão social - uma lição que Estados Unidos (EUA) e Europa podem ensinar ao Brasil
- Em entrevista a Zero Hora, Haasen disse que "quanto menos os usuários de drogas são marginalizados na sociedade, menos problemas há com crack. Na Europa, a rede social é de tal forma que a marginalização é muito menos intensa do que nos Estados Unidos. Essa é uma das principais razões de por que o crack não se espalhou aqui como se espalhou lá."


Zero Hora.

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