sexta-feira, 4 de julho de 2008

Entrevista - Misha Glenny

Máfia pode aprender com o PCC

O inglês Misha Glenny fala do avanço do crime organizado no mundo globalizado.


jornalista e historiador britânico Misha Glenny, que participa hoje à tarde de conversa com o jornalista brasileiro Caco Barcellos na 6ª Festa Literária Internacional de Paraty, escreveu livro bombástico sobre as relações entre o crime organizado e o crescimento da pobreza nos países em desenvolvimento, McMáfia, que a Companhia das Letras lança hoje com a presença do autor na Flip.

Glenny, que acompanhou a queda do comunismo e escreveu seu primeiro livro, The Rebirth of History, assim que fez seu vestibular na Europa Central, nos anos 1990, viajou durante três anos pelo Leste Europeu, Américas, Oriente Médio e Ásia atrás de criminosos, organizados ou não, para investigar como funcionam os cartéis de drogas, o contrabando de armas e até a estrutura de organizações como o PCC brasileiro. No primeiro dia da Flip, Misha falou ao Estado sobre drogas, crime cibernético e roubo de identidade. E garantiu: existem mais coisas em comum entre os marginais brasileiros e as organizações criminosas internacionais do que imaginam as forças policiais.

Por que o Brasil aparece com destaque em seu livro McMáfia?

O Brasil emerge como a grande força econômica da América Latina, mas é, ao mesmo tempo, quase ingovernável devido à evolução do crime organizado, distância entre ricos e pobres e, principalmente, à histórica corrupção que mina iniciativas de combater as organizações criminosas. O crime é mais difícil de controlar não apenas pelas dimensões do País, mas porque crime e corrupção estão intimamente ligados no Brasil. Foi muito fácil pesquisar como funciona essa rede aqui, porque os brasileiros, mesmo os que lidam com drogas, são muito comunicativos e não temem da polícia.

Você investigou por 3 anos as organizações criminosas no mundo, dos traficantes de armas na Ucrânia ao sindicato da droga no Canadá, passando pelo PCC brasileiro. Há ligação entre eles?

Sim, mas são baseadas exclusivamente em interesses econômicos. Não existe propriamente uma corporação como um McDonald?s do crime, organizada a ponto de ter o controle sobre todo o trânsito da droga. O Brasil, inicialmente, não era páreo para a Colômbia, mas quando o mercado americano ficou saturado pela oferta da cocaína colombiana, os traficantes tiveram de buscar outros canais para levar a droga a outros mercados. Foi nos anos 1980 e 1990, época da grande transição política européia, que esse mercado entrou em expansão. De maneira oportunista, organizações como o PCC fizeram seu ingresso no mercado da droga e o Brasil transformou-se numa grande zona de trânsito do tráfico internacional. Não é um dos maiores consumidores, mas seu consumo tampouco é insignificante. Quando pesquisava no Brasil, aconteceram aqueles ataques do PCC e me parece que eles foram uma clara demonstração de um poder paralelo capaz de desafiar o Estado e revelar sua força de organização política, capaz até de evocar direitos humanos para legitimar suas ações.

Além do Brasil, quais seriam outras zonas de trânsito que nasceram ou cresceram com a transformação política e econômica do mundo nos anos 1990?

O México, até dez anos atrás, não tinha grandes problemas com o tráfico, até o cartel de Medellín recrutar mexicanos para o transporte da droga destinada aos EUA, mas o problema maior está na Ásia Central. A própria China não tinha tantos problemas com criminosos antes da queda do comunismo na Europa. O fato é que a globalização favoreceu, sim, a expansão do crime organizado.

Você descreve em seu livro a existência de uma organização que controla a venda das drogas na América do Norte com sede no Canadá. Como ela funciona?

Ela recruta traficantes ocasionais, aliciando pessoas de classe média interessadas na compra de um segundo carro ou em ganhar algum dinheiro para as férias, gente não ligada a organizações. Assim, se uma for presa, não coloca toda a rede em risco. É um negócio coordenado com muita eficiência e altamente lucrativo.

Por que as forças policiais se mostram incapazes de conter o tráfico com todo o aparato tecnológico e o treinamento que têm?

Por uma mesquinha disputa e a falta de cooperação entre elas. Vamos supor que Londres e Brasília não demonstrem confiança recíproca num determinado caso: por mais recursos que tenham, nada poderão fazer se não houver cooperação. O mercado da droga alimenta o capitalismo e vive do sucesso da globalização. Ninguém quer matar a galinha dos ovos de ouro. Essa é a verdade. Aliado ao problema das drogas está o da propriedade intelectual. Quando estava pesquisando o crime organizado em São Paulo, vi um camelô anunciando orgulhosamente produtos pirateados da Microsoft como se fossem brasileiros, numa flagrante demonstração de antiamericanismo, quando estamos vivendo, hoje, um problema que é comum a todos.

Nenhum comentário:

Pesquisar este blog