segunda-feira, 21 de julho de 2008

Entrevista - Gláucio Ary Dillon Soares

À procura do rosto dos números

A queda de 55% no número de vítimas de acidentes de trânsito na cidade de São Paulo em um fim de semana não deixa dúvida: as leis secas salvam vidas. Os números da Secretaria Estadual de Saúde estimularam a Secretaria de Segurança Pública de São Paulo a anunciar a compra de mais de 400 bafômetros para identificar motoristas alcoolizados.



Conhecendo pesquisas de diversos países que mostram que o controle do álcool leva à redução significativa não só dos acidentes de trânsito, como também de homicídios e suicídios, entre outras formas de violência, o sociólogo Gláucio Ary Dillon Soares defende essa e outras políticas públicas estruturadas a partir do estudo de dados gerados por diferentes fontes, sobre diversas variáveis.



Soares está lançando o livro Não Matarás (editora FGV), em que analisa o homicídio em diferentes épocas e países levando em conta indicadores como desenvolvimento econômico e social, urbanização e migrações. “O livro lida com o modo de explicação favorito dos intelectuais: pobreza, miséria e desigualdade, isto é, as macro variáveis. Mas até onde vai isso?”, questiona.



Ele defende a realização de pesquisas sobre inúmeros fatores, muitos empíricos, que possam ter relação com a violência e aposta na participação da sociedade no desenvolvimento de programas de prevenção eficazes. "Fiquei viciado na idéia que políticas públicas salvam vidas", garante, com a experiência de quem idealizou, em Brasília, o movimento Paz no Trânsito, que, transformado em políticas públicas, levou à queda pela metade do número de mortes em acidentes em quatro anos.



Nesta entrevista ao Comunidade Segura, Gláucio Soares fala de pesquisas que relacionam álcool e mortes e explica por que é importante se pesquisar muito mais para se construir teorias do crime e do homicídio que não sejam simplesmente embasadas em teorias da sociedade e da economia. E enfatiza: "os números não são apenas números para mim. Eles têm rosto."



Em poucos dias, a chamada lei seca para motoristas já deu bons resultados, de acordo com pesquisas feitas em emergências de hospitais nas principais capitais do país. O que acha disso?



As restrições ao consumo do álcool têm assumido duas formas: a punitiva, depois do fato, e a preventiva, com a lei seca para motoristas e a proibição da venda em lugares com altos índices de acidentes e criminalidade. Pesquisas cartográficas feitas em lugares como Diadema, em São Paulo, mostram que há uma relação muito clara entre o consumo de álcool e drogas e o encontro de corpos.



Em locais onde leis secas foram usadas, houve resultados muito positivos, não só com a redução de número de acidentes, mas também com o decréscimo acentuado de homicídios e suicídios, como no caso dos países do Leste europeu. E quando estas políticas são abandonadas, em trocas de governo, observa-se um novo crescimento de todos os índices.



Poderia dar exemplos?



Na Rússia, existe o hábito de se beber até ficar de porre. Quando Gorbatchov instituiu a lei seca, todos os índices baixaram, inclusive os problemas de saúde, principalmente a cirrose hepática. Quando Boris Yeltsin assumiu e acabou com a política, porque ele mesmo era adepto das bebedeiras, houve crescimento de todos estes índices. O mesmo aconteceu em Brasília.



O que aconteceu em Brasília?



Em meados da década de 90, o governo Cristóvam Buarque apoiou o movimento Paz no Trânsito, que nasceu com voluntários que recrutei na UnB, e o transformou em programa de governo. A medida mais importante e debatida foi a instalação de pardais para o controle da velocidade. A velocidade média caiu de 85 para 60 km/h, e a taxa de acidentes despencou. A taxa de mortalidade por 10 mil veículos caiu pela metade em quatro anos: era acima de 11, caiu para menos de 5,5.



O que o senhor aprendeu com essa experiência?



Com o Paz no Trânsito, as virtudes da mobilização civil começaram a aparecer. Virei um adepto da mobilização da sociedade, porque deu certo. Fiquei viciado na idéia que políticas públicas salvam vidas. Os números não são números para mim. Eles têm rosto. Para as campanhas, procuro buscar imagens que transmitam esse significado.



É difícil mobilizar pessoas?



Às vezes dá um cansaço da falta de resultados, principalmente em comunidades pobres. É complicado mobilizar pessoas que têm pouco tempo para dar.



No seu novo livro, Não Matarás, o senhor discute a relação dos homicídios com indicadores como desenvolvimento econômico e social, urbanização e migrações. Como as mortes violentas se relacionam (ou não) com indicadores sócio-econômicos?



Essas relações não apresentam um padrão único. Elas variam de indicadores que entram na equação e de intimidade das relações. É preciso que se pesquise muito mais para se poder construir teorias do crime e do homicídio que não sejam embasadas apenas nas teorias da sociedade e da economia.



O desenvolvimento diminui os homicídios?


Se isso fosse uma regra, os homicídios deveriam estar diminuindo no Brasil há décadas, já que o país vem se desenvolvendo. Os pobres estão menos pobres, mas a violência aumentou.



Quais as maiores lendas sobre violência e segurança?



As lendas mais importantes, na minha opinião, são a afirmação de que existe uma teoria que explica satisfatoriamente todos os crimes e violências e a afirmação de que quanto mais armas, menos crimes e violências.



E onde podemos achar relações?



As relações variam muito entre países, regiões, estados, municípios e bairros, o que mostra que dependem muito do contexto. Sabemos pouco ainda. Falta para falarmos em integração teórica dos dados.



Existe algo em comum nos casos de homicídio que possa servir de elo na compreensão e ajude na prevenção?



Os homicídios não são todos farinha do mesmo saco. A utilidade do conhecimento empírico construído para elaborar teoria que explique o homicídio está limitada pelo tipo de homicídio a que se refere, tanto teórica, quanto praticamente.



Por exemplo, do ponto de vista preventivo e repressivo, o conhecimento ganho com o estudo do infanticídio contribui pouco para se entender, e assim evitar, os homicídios entre traficantes de drogas. Não existe ‘o’ homicídio. Cada um tem seus atores, vítimas, motivações, contextos.


Comunidade Segura.

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