domingo, 27 de julho de 2008

Defesa da política de redução de danos

Mais do que o combate ao tráfico ou à condenação de usuários de drogas, ainda com muita cautela começa a crescer no País o número de vozes que defendem medidas da política de redução de danos. Com o conceito de minimizar os efeitos negativos decorrentes do uso das drogas, seja biológica, social, econômica e culturalmente, a redução de danos prevê, entre as medidas sugeridas, o fornecimento de seringas descartáveis.

No Brasil, a política de redução de danos começou a ser implantada no fim dos anos 80s para combater a aids e outras doenças sexualmente transmissíveis. Hoje, dentro da política nacional sobre drogas, a redução de danos aparece junto com a prevenção, o tratamento e a reinserção social.

Não-oficialmente, a defesa cresce com a consolidação de entidades como a Rede Nacional de Redução de Danos (Reduc) e a Associação Internacional de Redução de Danos, que tem a psicóloga brasileira Mônica Gorgulho como uma das diretoras.

Na implantação efetiva, existem reservas em relação à redução de danos. “Essa política é eficiente e pode ser necessária em casos em que outras tentativas já foram feitas e não se obteve êxito, mas deve ser usada em casos muito excepcionais”, respondeu a coordenadora estadual Antidrogas, Sônia Alice Felde Maia. Para ela, a redução de danos pode ser uma alternativa, mas ressalta que não se pode perder de vista o objetivo principal, que é a abstinência. “Somos excessivamente cuidadosos à aplicação dessa política para que não acabe sendo mais um estímulo ao uso”, completou.

A coordenadora criticou a forma como alguns grupos tem defendido o uso da redução de danos, sem direcionamento a um público-alvo. “Exemplo disso foi a distribuição de folhetos com texto e figuras de como se aplicar a droga sendo entregues numa fila durante o vestibular em Ponta Grossa”, criticou.

Investimentos na prevenção do uso é a defesa do secretário municipal Antidrogas, Fernando Francischini. “A prevenção é muito mais importante do que essas políticas mais radicais na área”, afirmou.

No meio da questão, parece consenso que as instituições públicas brasileiras ainda estão se adequando às políticas relacionadas ao tema. “Toda a política nacional voltada para o tema ainda é muito recente, de 1978. A secretaria nacional dedicada ao tema só veio nos anos 2000”, lembrou Sônia.

Em Curitiba, a Secretaria Antidrogas surgiu apenas neste ano, período no qual o orçamento da pasta ficou em R$ 1,5 milhão, mais R$ 1 milhão em parceria com o governo federal e outros órgãos da Prefeitura. Para 2009, a previsão da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) é que o orçamento seja de R$ 5 milhões, além da estimativa de R$ 3 milhões de emendas parlamentares.
ONU registra mais mortes por drogas consideradas lícitas

Enquanto 5 milhões de mortes por ano no mundo são causadas pelo uso do tabaco, há 200 mil mortes causadas por drogas ilícitas, segundo relatório divulgado pela Organização das Nações Unidas (ONU). Consequentemente, os prejuízos à saúde e à segurança públicas são bem maiores quando causados pelas drogas lícitas (álcool, cigarro e medicamentos) do que pelas ilícitas, conforme aponta a coordenadora estadual Antidrogas, Sônia Alice Felde Maia. Tendo esses números em vista é que medidas mais drásticas têm sido tomadas pelo governo federal, como a aprovação da lei 11.705, que torna mais rígidas as punições para o motorista que beber e dirigir.

“Houve um aumento considerável dessas drogas lícitas, por conta do marketing e do consumismo que fundamentam essa nova sociedade que banalizou seu uso”, analisa. Esses efeitos se refletem nas crianças, segundo Sonia. “Nossas crianças estão experimentando precocemente o álcool e isso vem numa progressão muito acentuada. Pesquisas indicam que 47% das crianças que experimentam alguma substância psicoativa antes dos 14 anos têm sua vulnerabilidade aumentada para desenvolver alguma dependência química mais tarde”, apontou.

O álcool, principalmente, é considerado a porta de entrada para o uso de outras substâncias, potencializando ou inibindo o seu efeito. (LC)
Devedores são mortos por traficantes

Paralelamente ao debate sobre as políticas de redução do uso e do tráfico, as vítimas e a criminalidade decorrentes das drogas só aumentam. Perda de amigos, família, declínio social e dívidas para sustentar a dependência são histórias que se repetem.

Por conta disso, as mortes causadas por dívidas com o tráfico são diárias, como a da jovem de 18 anos que nesta semana foi decapitada por traficantes no município de Colombo, na Região Metropolitana de Curitiba.

Muitas vezes, são mortes por valores irrisórios. “Já ouvi muita história de gente que morreu por estar devendo R$ 10,00 ou R$ 20,00 ao tráfico. Quando sofri ameaça de morte, pela primeira vez contei ao meu pai que usava crack. Foi ele quem foi atrás e quitou minha dívida”, contou o usuário Cléber, de 22 anos, que começou a usar crack aos 16.

As “regras” do tráfico servem de alerta para os usuários. “Nunca fiquei devendo mais de R$ 30,00, porque comprava droga na favela e sabia que não mais poderia voltar lá se estivesse com uma dívida alta”, respondeu Rafael, de 24 anos, usuário de maconha desde os 16 e de crack 7desde os 19.

Nos momentos críticos da dependência, cobranças de possíveis dívidas bancárias parecem não preocupar quando comparadas à cobrança do tráfico. “Cheguei a ter oito empréstimos bancários, devendo quase R$ 10 mil. Preferia ficar devendo ao banco, onde pelo menos eu tinha a garantia que ninguém viria atrás de mim para me matar, só para cobrar o dinheiro”, relatou José, de 27 anos, com dois anos
de uso do crack.

Para fugir das cobranças, até internação na clínica vale como opção. “Tem muita gente que entra em clínica não com o objetivo de parar com o vício, mas para fugir de dívidas.

Um traficante entregou um revólver para um conhecido meu fazer assaltos e poder pagar R$ 1,5 mil. No primeiro assalto, só conseguiu R$ 50,00 e viu que seria muito difícil conseguir pagar tudo o que devia, por isso entrou na clínica”, disse José. Segundo o usuário, dívida com o tráfico geralmente rende uma morte com tiros de revólver. “Agora, se você delatar um esquema de tráfico, pode ter a língua arrancada quando for morto, por exemplo.

É bem possível que, se tiver aprontado alguma com os traficantes, sua morte tenha requintes de crueldade”, declarou.

Os nomes dos usuários utilizados na matéria são fictícios.


O Estado do Paraná.

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