quarta-feira, 9 de julho de 2008

Crack - Sem leito, viciado é atendido na fila

Centro de referência em saúde mental para quase metade da população gaúcha, o Hospital Psiquiátrico São Pedro institucionalizou a precariedade como resposta à epidemia de crack.

Sem ter como acolher todos os dependentes em busca de internação por causa da droga, o estabelecimento da Capital começou a oferecer atendimento na própria fila de espera. Enquanto aguardam vaga acomodados em um colchonete, os sem-leito já vão recebendo avaliação médica, remédios e alimentação. Às vezes, ganham alta sem ter conseguido se internar.

O serviço começou informalmente no meio do ano passado, em decorrência da disparada nas crises envolvendo o crack e da falta de estrutura para o atendimento de viciados no Estado. Com pacientes se empilhando à espera de uma vaga, o hospital foi oferecendo algumas facilidades, como acesso a banheiro e um lugar para dormir. Hoje são fornecidos colchonetes e cobertores, quatro refeições diárias, banho e um teto na ante-sala do setor de admissão e triagem. A exigência para pernoitar no espaço é que um familiar acompanhe, para cuidar do paciente e reduzir o risco de um surto.

- Como estamos permanentemente lotados, a espera por um leito pode demorar. Nossa inovação foi começar a tratar ali mesmo, na fila, já que as pessoas estão esperando - afirma o diretor-geral do hospital, Luiz Carlos Illafont Coronel.

Os dependentes chegam a permanecer 20 dias acampados na saleta até que abra uma vaga na internação. Os adolescentes são os que sofrem mais. O setor destinado a eles conta com apenas 10 leitos. Uma semana atrás, uma moradora de Torres de 55 anos acumulava 13 dias fazendo companhia ao filho em um banco de madeira nas dependências do serviço. Era a terceira vez no último ano que ela passava uma temporada no local esperando vaga para o rapaz, de 15 anos. Desta vez, o adolescente estava tão violento por causa do crack que precisou viajar amarrado desde Torres.

- Mal tem lugar para se ajeitar, de tanta gente, mas ainda é melhor ficar aqui do que arriscar ver meu filho morto. Em casa, ele fica agressivo e sofre ameaças de traficantes para quem está devendo. Aqui, dão medicação, e ele se tranqüiliza - contou.

No ambiente acanhado, ela fez amizade com uma funcionária pública de 50 anos, mãe de um rapaz de 17 que somava oito dias à espera de uma internação. Moradora de Charqueadas, a servidora se revezava com a nora como acompanhante do adolescente. Foi encaminhada ao hospital depois de procurar o Ministério Público, que deu ordem de internação.

- Não adiantou nada, porque ele está jogado aqui. Hoje nos chamaram para dizer que a espera vai ser longa. Não há nenhuma expectativa para a internação. Ele rouba tudo de dentro de casa, inclusive comida, para trocar por droga. Já tive de acorrentar. Perdeu a noção de mãe, de pai, de família. Até quebrar o meu braço ele já quebrou, na fissura - diz.

Vão para o São Pedro os casos mais complicados, encaminhados pelos sistemas municipais de saúde. Boa parte dos pacientes é enviada para esperar em casa até o aparecimento de uma vaga. Mas parte deles, os que estão em situação mais grave, é acolhida no serviço de admissão.

- Hoje, o problema que ocupa o primeiríssimo plano na área de saúde mental no Estado é o dos distúrbios em função do consumo de droga, principalmente o crack. Há uma verdadeira epidemia. Não conheço país que esteja preparado para um epidemia. Ela eclode de surpresa. É o caso do crack no Rio Grande do Sul - diz Coronel.


Zero Hora.

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