domingo, 13 de julho de 2008

Crack - Especialistas receitam os antídotos da pedra

Desde o domingo passado, a série de reportagens A Epidemia do Crack mostra como a droga se imiscuiu na sociedade - sem escolher classe social, faixa etária ou região - , trazendo repercussões dramáticas para os lares gaúchos.

A série provocou uma enxurrada de e-mails e telefonemas para a redação de Zero Hora e acendeu o debate sobre como combater o avanço do crack no Estado. Nesta página, 10 especialistas e autoridades entram na discussão e apresentam sua receita para enfrentar a epidemia.

Internação imediata

"Temos uma epidemia virulenta, mas não dispomos de uma rede assistencial. A rede para internação dos usuários de crack é pequena, e o sistema de atendimento ambulatorial, lento. É nisso que é necessário investir. O dependente de crack deve ser internado imediatamente. Os ambulatórios precisam ser mais ativos. Não podem marcar consulta para daqui a uma ou duas semanas, porque isso é uma eternidade para o paciente de crack. Nesse prazo ele já recaiu. Precisamos de ambulatórios de crise, que atendam na hora. Isso não existe aqui."

Ronaldo Laranjeira, professor da Unidade de Álcool e Drogas da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp)

Tratamento gratuito

"A questão mais urgente é estruturar um serviço público e gratuito de tratamento para o dependente. É absurdo que os recursos existam só na rede privada, e que quem precisa não tenha como se tratar. Temos de oferecer leitos de internação onde os pacientes possam permanecer por tempo prolongado, porque o crack é mais difícil de tratar. Isso poderia ser feito pela montagem de uma rede de emergência envolvendo todo mundo que queira participar, hospitais, clínicas, comunidades terapêuticas e igrejas. Os resultados aparecem em seis meses."

Marcos Rolim, ex-deputado estadual, autor da lei antimanicomial gaúcha

Prevenção descentralizada

"Depois que a droga já agiu, tudo fica mais difícil. Por isso, o fundamental é a prevenção. Mas não adianta o governo fazer propaganda na TV ou palestra em duas ou três escolas. O jovem tem de ouvir sobre a droga de quem ele confia, como o professor de quem gosta ou o cara que treina o time de vôlei. Por esse motivo, a política para a droga deve ser descentralizada, deve ser colocada dentro das comunidades. O que precisamos fazer é criar cursos para capacitar líderes nas famílias, nas escolas, nas associações de bairro, nos clubes, nos postos de saúde e nas igrejas. Nesses cursos, as pessoas aprenderiam a identificar o usuário, a orientar sobre o problema, a encaminhar os casos. Dessa forma, a sociedade faria parte da política de drogas, o que é muito importante."

Paulo Roberto Yog de Miranda Uchôa, Secretário Nacional Antidrogas

Saúde mental revisada

"Hoje, a política de saúde mental brasileira tem por base a lei antimanicomial, que promoveu o fechamento de leitos nos hospitais psiquiátricos (onde dependentes de crack são internados). Esses leitos eram 120 mil em 1980. Diminuíram para 38,5 mil no ano passado. A idéia da lei era que fossem abertos leitos psiquiátricos em hospitais e que fossem criados postos de saúde especializados em saúde mental, os Caps. Mas enquanto fecharam 80 mil leitos nos hospitais psiquiátricos, abriam 2,5 mil nos gerais. Quanto aos Caps, havia 1.150 no país no ano passado, sendo que 50 deles, os de tipo 1, sequer contam com psiquiatra. Como os leitos estão fechados e as alternativas não são oferecidas, os pacientes não estão sendo atendidos. É urgente revisar a política de saúde mental brasileira."

Germano Bonow, deputado federal (DEM-RS) e ex-secretário estadual da Saúde

Proteção às famílias

"Precisamos tirar a polícia de cena e colocar a saúde no lugar, porque o crack é um problema gravíssimo de saúde pública. Deve ser tratado como se trata um problema epidemiológico, com investimento em assistência ao dependente, com a criação de uma rede de acolhimento e com informação. A abordagem policial deixa os que mais sofrem com esse drama terrível, que são os dependentes, sem solução. Temos de ir aos pontos não para prender, mas para recuperar. É preciso fazer uma aliança com o usuário, vê-lo como vítima, e não como um problema policial. Outra abordagem urgente é a prevenção. O crack é resultado de um complexo amplo, que envolve maternidade precoce, famílias rompidas, violência doméstica, desemprego e juventude desassistida. A saída é uma política sistêmica que ofereça proteção integral às famílias mais vulneráveis."

Luiz Eduardo Soares, ex-secretário nacional Segurança Pública e co-autor do livro Elite da Tropa

Mudança de postura

"A primeira saída seria a mudança de postura do Ministério da Saúde, que, ao progressivamente diminuir o número de leitos psiquiátricos nos hospitais, está na contramão do atendimento. A internação do dependente de crack deve ser por períodos longos, em ambientes qualificados. A desintoxicação leva poucos dias, mas o estado clínico está bastante afetado, o que tem a ver com as características da droga e o estilo de vida do usuário. O paciente precisa de internação de pelo menos dois meses. A outra questão é que as comunidades terapêuticas, que deveriam ser de regime parcialmente fechado e com equipe multidisciplinar, têm se transformado em fazendas terapêuticas com um mínimo de cuidados médicos e um excesso de ideologia. Afastar-se do crack, ler a Bíblia e trocar experiências em grupo é insuficiente."

Flávio Pechansky, psiquiatra, coordenador do Programa de Álcool e Drogas do Hospital de Clínicas e diretor do Centro de Pesquisa em Álcool e Drogas da UFRGS

Repressão idônea

"O tratamento do usuário não pode ser dissociado da repressão ao tráfico. O desmantelamento dos grandes esquemas de distribuição não tem sido eficiente. Está na hora do Rio Grande do Sul tomar um banho de humildade e perguntar onde está a corrupção: temos que questionar se a repressão ao tráfico está sendo conduzida de maneira idônea. Aparentemente, não. No Juizado, as famílias sabem os nomes de quem vende, quem mata, e é inexplicável que essa informação não chegue a quem deve reprimir o tráfico. Não podemos pagar com tantas mortes os feudos que se constituíram na máquina pública. Temos que questionar a idoneidade, a competência e a urgência para que as políticas públicas atuem de forma integrada. Hoje há uma atuação fragmentada que não dá conta de coibir a criminalidade e intervir no atendimento dos usuários. Falta coesão social, que deve ser cobrada junto às autoridades. Se falta cobrança quem está se omitindo é a sociedade."

Leoberto Brancher, juiz da 3ª Vara de Infância e Juventude de Porto Alegre

Campanha aos pais

"A polícia, com os meios disponíveis, vem encarando de frente essa guerra contra o crack. É importante também o envolvimento por parte da sociedade. É na família que a droga pode começar. O pai e a mãe que não dão amor esquecem o que há de mais sagrado e oferecem em sacrifício o filho no altar das drogas. Muitas campanhas educativas são dirigidas aos viciados, mas temos que agora também atacar a raiz, pais que às vezes nem sabem o que está acontecendo com os filhos. A novidade pode ser uma campanha de todos os órgãos dirigida aos pais que ainda não têm os filhos drogados."

José Francisco Mallmann, secretário estadual da Segurança Pública

Reabrir cem leitos

"A primeira providência seria admitir que há uma epidemia de crack e tratá-la como se tratou a dengue no Rio de Janeiro, inclusive pedindo ajuda se necessário. Em segundo lugar, é indispensável abrir leitos para tratamento de adição à droga. Sou muito crítico ao discurso do secretário estadual de Saúde que diz que irá criar 500 leitos em hospitais gerais. Isso não vai acontecer. O que se pode fazer amanhã de manhã, se houver sincera vontade de enfrentar a questão, é reabrir os cem leitos para tratamento de adição à droga que estão fechados desde o ano passado no Hospital Espírita. Eles foram forçados a fechar por não haver aumento da diária do SUS por paciente, que era de R$ 25. Por R$ 100 a mais nas diárias seria possível reabrir as vagas deste hospital - um quinto do que o secretário diz que vai fazer. Não faz porque não quer. A outra questão é abandonar a farsa de que com 20 dias de internação ou tratamento ambulatorial tira-se alguém do crack."

Paulo de Argollo Mendes, presidente do Sindicato Médico do Rio Grande do Sul e da Federação Nacional dos Médicos

Terapia eficaz

"A epidemia do crack é um apêndice amortizador das tensões produzidas pelo desequilíbrio de outras áreas da sociedade, além da relação do indivíduo com a droga. Existem diferenças entre um usuário de classe média, que a exemplo de um dos pais buscou o prazer com o álcool ou a maconha, e um menino de rua que, para suportar a fome e o medo, necessitou transcender com o mesmo efeito psicoativo. Entre esses extremos há muitas situações intermediárias, passando inclusive por transtornos mentais como o bipolar e a fobia social. Portanto, os remédios para a epidemia do crack terão de compor um plano terapêutico modulável, que inclui tanto o tratamento formal, especializado, quanto o informal, a exemplo das comunidades terapêuticas. Os Narcóticos Anônimos e os grupos de Nar Anon, como itens terapêuticos isolados, são os recursos de maior eficácia e de maior cobertura. Há que se melhorar a rede de integração entre todos esses recursos. Cabe ao poder público liderar essa iniciativa e a todos nós responder ao apelo."

Luiz Paulo Paim Santos, fundador do Serviço de Álcool e Drogas da Cruz Vermelha Brasileira e diretor do Instituto Fernando Pessoa


Zero Hora.

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