domingo, 27 de julho de 2008

Justiça autoriza James, grávida de 8 meses

Um ano depois, a menina James Alves da Silva (sim, ela é mulher), hoje aos 17 anos, conseguiu finalmente trocar de nome e de sexo, apenas no papel, como sempre quis.

Batizada com nome de menino, James (pronuncia-se assim, como se lê, aportuguesado com "a" --e não na forma inglesa "Jeimes") tinha a certidão de nascimento registrada como sendo do sexo masculino.

Com suspeita de gravidez, ela dizia não ter acesso ao sistema público de saúde um ano atrás (à época em que a Folha revelou a história, a secretaria negou) para confirmar o estado ou fazer os exames pré-natais.

Confrontados com a fisionomia feminina, o nome e o sexo masculino não permitiam, por exemplo, que ela tirasse a carteira de identidade ou se casasse com o noivo, o pintor de paredes José Rocha Pereira, 29, com quem mora desde fevereiro do ano passado. É que a legislação brasileira não reconhece o casamento entre pessoas do mesmo sexo. James também não poderia registrar a criança em cartório porque não é possível lavrar filho de homem com homem.

Agora, com a gravidez confirmada no oitavo mês de gestação, James virou Nicole e teve o sexo retificado na certidão.

Problema: o que poderia ou parecia poder ser corrigido por um ato administrativo, teve de se converter numa ação judicial, feita por meio da Defensoria Pública, que levou um ano para ser julgada.

Para provar que é mulher, James teve de se submeter a uma ultra-sonografia endovaginal para verificar a presença do útero. Um laudo foi assinado por dois ginecologistas.

"A autora não pode ser confundida com uma pessoa do sexo masculino, já que seu órgão reprodutor é feminino e encontra-se grávida", diz a decisão da juíza Patrícia Maiello Ribeiro Prado.

Outro problema: como nasceu na Bahia e foi registrada num cartório de Ilhéus, ao fim do processo a mãe teve de ir ao Nordeste para trazer a nova documentação.

Mais problema: ao levar a sentença da juíza Prado, de São Paulo, em mãos à Bahia, o juiz de lá disse à mãe não reconhecer o mandado de averbação, que deveria ter sido despachado pela vara cível paulistana.

Muita conversa

Depois de uma semana de muita conversa, o cartório baiano finalmente reconheceu o erro e retificou a certidão. "Só de passagem gastei R$ 500. Cheguei numa segunda e só resolvi tudo na sexta", diz Ana Célia, mãe de James e empregada doméstica. A família mora no Jardim Ângela (zona sul de São Paulo), que, no passado, foi apontado como uma das regiões mais violentas do mundo.

Com o parto previsto para meados de agosto, James (ela diz não ter se acostumado ao novo nome) tem de mudar todo o histórico escolar para Nicole Alves da Silva.

"Senão fica parecendo que nunca estudei na vida", diz a adolescente, que mostra o primeiro RG que tirou neste mês no Poupatempo perto de casa.

James estudou até a oitava série sem que, segundo parentes, ninguém se desse conta ou criasse algum empecilho por conta do sexo trocado.

O erro que tanto complicou o dia-a-dia dela ocorreu, segundo a família, por desatenção do funcionário do cartório que, seduzido pelo nome masculino, trocou o sexo da menina.

A família só percebeu o erro quando James tinha 15 anos e decidiu tirar a carteira de identidade. A emissão do documento havia sido negada por incompatibilidade entre a aparência de mulher e o nome e o sexo masculinos.

Em tempo: James espera uma menina, a quem pretende batizar, sem erros de nome ou sexo, de Ana Elisa.


Folha de São Paulo.

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