segunda-feira, 7 de julho de 2008

Combustível da criminalidade

Aviolência é movida a crack no Rio Grande do Sul. Cada pedra queimada serve de combustível para uma engrenagem que impulsiona não só o tráfico, mas também furtos, assaltos, roubos de veículos, arrombamentos e assassinatos, que se tornaram parte do dia-a-dia dos gaúchos, conforme mostra esta segunda reportagem da série que se iniciou ontem e vai até sábado.

É um mecanismo perverso, em que o crime desesperado alimenta o crime organizado. Os trocados que cada usuário rouba de um vizinho ou do cobrador de ônibus, como último recurso para saciar o vício, multiplicam-se em milhões de reais nos cofres do tráfico, estimulando massacres pelo controle de pontos-de-venda da droga e oferecendo capital farto para financiar quadrilhas de assaltantes de banco e de carros-fortes.

Na base dessa usina de violência está uma pedra vendida a R$ 5. O preço baixo é ilusório. Com um poder inédito de causar dependência e de forçar o consumo maciço, o crack empurra o usuário ao crime como saída para crises de abstinência.

- Trinta minutos depois de uma pedra, o dependente quer outra. Se fumar 10 ao dia, precisará de R$ 1,5 mil por mês. Geralmente, para arranjar o dinheiro, comete pequenos delitos, mas às vezes se envolve até em latrocínios (roubos com morte) - afirma o delegado Álvaro Steigleder Chaves, diretor do Departamento Estadual do Narcotráfico.

O crack também gera crime na outra ponta, a do traficante. Com base nos relatórios das investigações, Bolívar Llantada, titular da Delegacia de Homicídios, diz que a droga está por trás de pelo menos 70% dos assassinatos. A maior parte das mortes decorre das guerras entre traficantes rivais.

No ano passado, por exemplo, a delegacia começou a investigar um homicídio nas imediações do centro de Porto Alegre. Ao puxar um fio, os agentes desenrolaram um novelo. Desvendaram oito mortes relacionadas a uma disputa pelo controle do tráfico em uma vila próxima. Um traficante apontado como mandante de parte das mortes foi preso. Foram apreendidas 670 pedras de crack.

- Os homicídios ocorrem quase todos nos mesmos lugares, aqueles pontos onde os grupos tentam dominar o tráfico. Enquanto não houver barreiras nas estradas, e a droga continuar a entrar livremente no Estado, nossa função vai ser catar corpos crivados de bala das ruas nos finais de semana - diz Llantada.

O delegado Juliano Ferreira, da Delegacia de Roubos, relata que hoje o crime organizado busca apoio logístico e financiamento em traficantes de bolsos cheios por causa da escravidão do crack:

- Quem tem armamento pesado e dinheiro para financiar grandes operações hoje são os traficantes. Eles estão por trás de toda quadrilha que assalta bancos e carros-fortes.

Alimentado pelo crack, o crime tende a se encorpar. As apreensões da pedra se multiplicam ano após ano - uma indicação clara de que há cada vez mais gente precisando de dinheiro para manter o vício. Passaram de menos de meio quilo em 2000 para 120 quilos no ano passado. E devem bater um novo recorde em 2008.

Um diagnóstico sobre as causas da violência em alguns dos bairros mais conflagrados do Estado encontrou um mesmo culpado: o crack. A descoberta resultou do projeto-piloto do Programa de Prevenção da Violência, parceria do Piratini com prefeituras.

O projeto teve início no ano passado, nos bairros em situação de maior gravidade de cinco municípios que figuravam na lista dos mais violentos: Fragata (Pelotas), Jaboticabal (Passo Fundo), Bom Jesus (Santa Cruz do Sul), Umbu (Alvorada) e Canudos (Novo Hamburgo). O crack apareceu sempre como o principal fator da violência.

- Os relatos são de que a violência surge em decorrência da necessidade de conseguir a droga. Existe clamor das famílias desses bairros em relação a isso. Elas pedem que se faça algo, porque o crack está atingindo até crianças - diz Jane Dalacorte, gerente do programa.

A conclusão dos responsáveis é de que combater a violência significa combater o crack. O projeto pretende atingir 50 municípios gaúchos em suas zonas convulsionadas pelo crack.


Zero Hora.

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