quarta-feira, 16 de julho de 2008

Artigo: República de intocáveis?, por Mauro Henrique Renner*

O Ministério Público quer manifestar à sociedade gaúcha e brasileira preocupação com a eficácia do sistema de justiça no combate à corrupção e às organizações criminosas, emblemático o prende-solta do banqueiro Daniel Dantas.

Boa governança significa instituições transparentes, processos decisórios claros, respeito às regras do jogo e prevenção/combate à corrupção. Aplica-se a todos os poderes. A corrupção, para além do prejuízo que causa, corrói nossa confiança e auto-imagem. Movimenta um oceano de riquezas e atalhos que só pode ser explorado mediante sólida ponte entre o poder público e, no outro pilar, os corruptores - águas profundas que abrigam um complexo político-financeiro. Pois estamos decididos a enfrentá-los, com ações de inteligência e integradas com os setores republicanos das polícias e de outros órgãos de controle. Às vezes, chegamos perto. Todavia, e bem por isso, as reações avultam e reforçam a blindagem.

Vivemos claro retrocesso institucional na possibilidade de investigar e processar os "esquemas de poder": a investigação direta pelo MP está sub judice no STF; o mesmo STF inclina-se a excluir da ação de improbidade administrativa os agentes políticos; o foro privilegiado é carapaça quase intransponível para efeitos sancionatórios práticos; os sigilos, especialmente bancário, obscurecem ainda mais os emaranhados atos criminosos e prevalecem inclusive entre os vários órgãos de Estado; a presunção de inocência é lida como regra absoluta (sem qualquer ponderação) e, conjugada com um trânsito em julgado labiríntico, confirma que a privação de liberdade é pena inconcebível para a elite político-financeira acaso processada.

E as últimas decisões do presidente do STF, Gilmar Mendes, reforçam a percepção de uma Justiça com duas velocidades. Majestosa e inacessível para o andar de baixo. Ágil e proativa com o andar de cima. O devido processo legal é arranhado quando se suprimem instâncias e consagra-se, de fato, foro privilegiado para o banqueiro. A discussão sobre espetáculo é séria, mas o debate não foi proposto pelo STF no caso Isabella. Algemas são ponto secundário e, se mal utilizadas, devem gerar punição. Mas e tentar subornar um delegado da PF com mais de R$ 1 milhão em dinheiro vivo não deveria causar viva e igual indignação?

Satyagraha significa "insistência pela verdade". É de se prosseguir, então, para vencer os dalits (párias/intocáveis), o que é dizer, para tratar de forma igualitária e aplicar as mesmas regras do jogo a todos os brasileiros. O papel do STF é insubstituível. Mas não é, numa democracia, incriticável.

*Procurador-geral do Ministério Público do RS

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