quinta-feira, 24 de julho de 2008

Artigo: A persecução do falso testemunho praticado no juízo deprecado

Falso testemunho no juízo deprecado: pode o promotor deste juízo iniciar inquérito policial para apurar o crime sem provocação do juiz do feito?

a) A questão da incompetência:

O artigo 211 do Código de Processo Penal é taxativo e claro ao dispor:

"Se o juiz, ao pronunciar sentença final, reconhecer que alguma testemunha fez afirmação falsa, calou ou negou a verdade, remeterá cópia do depoimento à autoridade policial para a instauração de inquérito."

Mesmo aceitando-se que em casos tais, o Promotor, além do Juiz, possa desencadear uma investigação policial, mediante inquérito, o que, aliás, é muito freqüente, é absolutamente seguro e tranqüilo que tal providência só pode ser iniciada pelo Juiz ou o Promotor do processo e nunca pelo representante ministerial do juízo deprecado.

Embora se possa dizer - e com acerto- que o delito em causa é formal, de natureza instantânea (RT 517/285 e 572/314), e que o foro competente para conhecer de eventual ação penal venha ser o do juízo deprecado, onde em tese se perpetrou o falso (RT 582/307 e 605/298), isto não altera em nada a impossibilidade de o Juiz deprecado e o Promotor de Justiça que ali funcione tomar a iniciativa da apuração do falso.

Primeiramente porque a Lei não lhes outorga uma tal competência. Esta quer que o Juiz da causa, aquele que irá sentenciar, examine a questão. Trata-se de uma intransponível condição de procedibilidade. Depois, porque a Carta Precatória confina os poderes da autoridade deprecada à colheita da prova descrita.

A razão de ser do art. 211 é óbvia. Quem não tem conhecimento do processo como um todo, como é o caso do Juiz e Promotor que funcionam na Comarca deprecada, nada , ou muito pouco, pode aquilatar a respeito do falso.

O só fato de existir, eventualmente, discrepância entre os depoimentos colhidos na fase inquisitiva e na judicial, não autoriza o Promotor de Justiça a determinar a pronta instauração de inquérito policial (RT 599/326).

Por outro lado, como o processo que apura o delito gerador da precatória ainda tramita na Comarca deprecante, a ação penal decorrente do falso testemunho há de estar conexa com aquela (RT 649/245 e 657/283).

Não pode, portanto, no momento em que ainda tramita a ação penal (chamemo-la principal ), existir inquérito em outra Comarca, pois este prepara uma ação penal que, dada a conexidade, só poderá tramitar na Comarca deprecante. Ademais, e se o Juiz da causa absolver o imputado por entender verdadeiros os depoimentos prestados no Comarca deprecada? Como fica a eventual ação penal relativa ao falso? e o inquérito que a prepara?

Tudo, como se percebe, lei, jurisprudência e boa lógica, converge para a impossibilidade de, à revelia do juízo deprecante , na Comarca deprecada, iniciar-se um inquérito policial para se apurar a ocorrência do falso testemunho relativamente à ação ainda em andamento naquela Comarca.

b) Da ilegalidade da instauração de inquérito quando não há sentença no processo principal:

Afora os aspectos precedentes, interpretando a regra contida no artigo 211 do CPP, o Col. Superior Tribunal de Justiça, nas suas duas Turmas , fixou a exegese segundo a qual:

"Embora o momento consumativo do crime de falso testemunho se verifique quando do encerramento do depoimento inverídico, somente no instante em que proferir a sentença final é que o juiz determinará a instauração de inquérito policial contra o depoente , não se exigindo para a providência o trânsito em julgado dessa decisão (CP, art. 342, § 3º e CPP, art. 211, caput. RT 674/347)".

A colenda Quinta Turma, por unanimidade, em acórdão da lavra do eminente Min. Assis Toledo , no REsp. nº 229 , tal como registra o eminente Prof. Damásio de Jesus , sufraga idêntico entendimento (cf. "Código de Processo Penal Anotado" ; SP; ed. Saraiva, 9ª ed., 1991, p. 152). No mesmo sentido: RJTJESP 97/519; RTs. 518/303; 1 603/321; 645/286 e 657/286 (Apud: "Código Penal e sua Interpretação Jurisprudencial" , SP, ed. Revista dos Tribunais, 4ª ed., 1992, p. 1779, item nº 15.01).

Mais recentemente, a Col. 3ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça de São Paulo, em acórdão unânime da lavra do eminente Des. Eduardo Pereira, reafirmou este entendimento e, inclusive, realçou a impossibilidade de o juízo deprecado desencadear inquérito para apurar o falso à revelia do juízo deprecante (HC nº 144.449-3 , j. 7/6/93)

De acordo com a intelecção pretoriana, hoje consolidada e reafirmada pela Corte competente para conhecer as matérias infra-constitucionais, a prolação da "sentença final " (art. 211) aparece como condição de procedibilidade para apuração do falso. Sem esta não há como se viabilizar a instauração de procedimento investigatório.

Alberto Zacharias Toron


TORON, Alberto Zacharias. A persecução do falso testemunho praticado no juízo deprecado [Comentário de jurisprudência]. Boletim IBCCRIM. Jurisprudência. São Paulo, v.1, n.10, p. 25, nov. 1993.

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