segunda-feira, 7 de julho de 2008

Artigo: Álcool e volante ­ rigor na nova lei de trânsito

A Lei n.º 11.705 de 19/6/08 entrou em vigor na data de sua publicação (20/6/08) e trouxe importantes alterações no sistema punitivo penal e administrativo do Código de Trânsito Brasileiro (CTB).

O objetivo deste artigo é lançar algumas anotações a respeito dessas inovações legislativas.

Em primeiro lugar, vislumbra-se alteração substancial no tipo penal do crime de “direção sob influencia de álcool” (art. 306 do CTB), que não é mais crime de perigo concreto. Não se exige mais que o motorista venha a expor “a dano potencial a incolumidade de outrem”, como na redação antiga. Com essa mudança, passou a ser um crime de “perigo presumido” ou “abstrato”, bastando que o motorista esteja ao volante e apresente pelo menos 06 (seis) decigramas de álcool por litro de sangue. Se comprovada essa taxa alcoólica, o motorista será conduzido até a Delegacia de Polícia e autuado em flagrante (terá direito à fiança, se tiver bons antecedentes).

Essa dosagem mínima terá de ser observada, porém vale lembrar que qualquer meio de prova pode ser levado em conta na análise da tipificação do crime, pelo que, mesmo o condutor se negando ao bafômetro ou ao exame de sangue, ficará uma presunção contra si, a qual, se complementada por outras provas mesmo indiciárias poderá resultar numa condenação criminal.

Quanto ao crime de “lesão corporal culposa” no trânsito, se o motorista estiver sob efeito de álcool, não terá direito aos benefícios dos artigos 74 (composição de danos civis), 76 (transação penal) e 88 (necessidade de representação da vítima), todos da Lei 9099/95 Lei dos Juizados Especiais. A situação é a mesma para aqueles que forem apanhados praticando “racha” em via publica, ou estiverem transitando com excesso de mais de 50km/h ao limite da via, e nessa condição venham ferir alguém culposamente (art. 291, § 1.º, CTB).

Ou seja, em tais hipóteses (que são exceções legais) o crime passou a ser de “ação pública incondicionada”, sendo desnecessária a manifestação da vítima, e obrigatória a instauração de inquérito policial (§ 2.º do art. 291). E o agente perde os benefícios despenalizadores da Lei dos Juizados Especiais, tendo de responder ao processo criminal normalmente. Terá direito apenas à suspensão condicional do processo, nos termos do art. 89 da Lei 9099/95, se tiver bons antecedentes e preencher os requisitos legais. Mas, não se livrará do processo.

Na parte das infrações administrativas, a nova lei alterou o art. 165 do CTB. Agora, praticar direção “com qualquer concentração de álcool por litro de sangue” (art. 276) configura a infração administrativa, e o motorista estará sujeito a multa pesada (5 vezes = R$ 955,00) e suspensão do direito de dirigir agora, com a nova lei por um (1) ano! Vale dizer, ficou bem mais rigorosa a punição da infração administrativa, que inclusive pode ser aplicada em paralelo com a punição criminal se constatada taxa alcoólica maior do que 06 dg/l (art. 306), já que são independentes as instâncias penal e administrativa.

Igualmente aqui qualquer meio de prova servirá para demonstrar a infração administrativa do art. 165, e as penas também serão aplicadas ao condutor que “se recusar” aos exames do caput do art. 277 (que prevê: testes de alcoolemia, exames clínicos, perícia ou outro exame que, por meios técnicos ou científicos, em aparelhos homologados pelo Contran, permitam certificar o estado etílico do motorista).

Além dessas medidas já citadas, a nova lei passou a proibir de vez a venda varejista ou oferecimento de bebidas alcoólicas para consumo no local, na faixa de domínio das rodovias federais, ou em terrenos contíguos a essa faixa, fora do perímetro urbano, tudo sob fiscalização da Polícia Rodoviária Federal, sujeitando os comerciantes infratores a multas pesadas.

Essa proposta, inicialmente objeto de Medida Provisória e que vinha sendo discutida no Congresso, sofreu alterações e agora veio definida “em lei”, sendo de se aplaudir a coragem dos Senhores Parlamentares nessa questão, demonstrando vontade política de reduzir os danos causados pela violência do trânsito, que, além de matar e mutilar pessoas de todas as classes sociais, acarreta enorme impacto financeiro nas despesas do nosso já combalido sistema de saúde o SUS.

Não podemos olvidar fatos noticiados a toda hora nos meios de comunicação, comprovando que inclusive motoristas profissionais de caminhões grandes e até ônibus dirigem sob efeito de álcool ou de “rebites”, aumentando sobremaneira o perigo de acidentes nas nossas rodovias. Há uma tolerância social com o uso de álcool em nosso país, que agora necessitará ser revista.

Ainda, a nova lei obriga os estabelecimentos comerciais que vendem bebidas alcoólicas, a estampar “advertência ao público” de que dirigir sob influência de álcool é crime, punido com detenção (art. 276). Medida importante de conscientização dos condutores de veículos automotores.

Pena que não se melhorou a resposta penal para o homicídio culposo ao volante, que tem como regra geral o cumprimento da pena de detenção em liberdade (regime aberto). Se houvesse uma majoração da pena atual (de 2 a 4 anos) para 3 a 8 anos, p.ex., o juiz teria melhores condições de sopesar a gravidade de cada caso e dar uma resposta mais firme, afastando a sensação de impunidade reinante no meio social em relação àqueles que matam no trânsito em circunstâncias graves.

Contudo, em um balanço preliminar, podemos dizer sem dúvida que afora discussões que certamente surgirão sobre a constitucionalidade de alguns pontos da nova lei essas inovações legislativas vão pesar forte na consciência e nas atitudes dos motoristas, haja vista as conseqüências trazidas aos infratores, bem mais sérias. Daí porque as novas regras têm tudo para “mudar os hábitos” no trânsito, levando o Brasil a patamares estatísticos pelo menos mais aceitáveis quando se trata da violência viária, pois hoje estamos à frente da guerra do Iraque em número de mortes.

Rogério Ribas é juiz de Direito Substituto de 2.º Grau do TJPR. (Titular por 5 anos da 2.ª Vara de Delitos de Trânsito de Curitiba)


O Estado do Paraná, Direito e Justiça, 06/07/2008.

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