Nas presentes notas o interesse é pelo exame da aplicação da figura do aborto necessário (artigo 128, inciso I).
Estipula o preceito legal que o aborto praticado por médico não é punido se não há outro meio de salvar a vida da gestante.
O dispositivo é claro: permite-se o aborto para evitar o perecimento da mãe , independentemente da situação de saúde e das condições do feto.
O Código Penal é de 1.940. Passaram-se 51 anos desde sua entrada em vigor. A ciência médica evoluiu. Situações antes imprevisíveis. Hoje podem ser antevistas. E refletem necessariamente na aplicação do direito.
Assim é a hipótese do aborto em que haja constatação da impossibilidade de vida extra-uterina do feto por malformação física como ocorre no caso de acrania (ausência de crânio).
A preocupação é legítima.
Mas existem casos definidos por ele próprio, em que o rigor da lei deve ser afastado, a fim de preservar bem entendido maior. Admitiu a lei há meio século, que o perigo de vida para a mulher autorizava a interrupção da gravidez independentemente das condições do feto.
Ora, se esse posicionamento, de inegável alcance, sempre foi aceito na sociedade em geral, por que razão não se admitir o aborto no caso em que por anomalia séria devidamente evidenciada e constatada por profissionais habilitados mediante a utilização das técnicas mais modernas de medicina haja certeza da impossibilidade de vida for a do útero materno?
Além disso insistir no prosseguimento de uma gravidez sem possibilidades de êxito, como no caso da acrania, quando há vontade contrária da mulher, representa capricho irresponsável, que, a para do sofrimento natural, poderá ensejar risco potencial e grave comprometimento psicológico.
Há, ainda, não se pode esquecer, a possibilidade de risco à saúde da mulher com eventual reflexo em suas condições de vida. E isso deve ser impedido, no mínimo por razões humanitárias.
Não se pretende defender a interrupção da gravidez decorrente da só vontade da mãe, independentemente das condições do feto.
O que se procura evidenciar é que a lei penal em seu artigo 128, inciso I , interpretado de forma mais abrangente e atual, respeitado sempre o objetivo primeiro do legislador, permite o aborto necessário no caso em que não haja condições de vida extra-uterina do feto, em razão de anomalias sérias, devidamente diagnosticadas.
Não se pretende, insisto que quaisquer anomalias ou deformidades dêem ensejo à interrupção da gravidez, liberalidade perigosa.
Em suma: se o legislador ordinário admitiu o aborto necessário, independentemente das condições de saúde do feto, tenho que no espírito de seu posicionamento admitiu igualmente a interrupção da gravidez no caso de impossibilidade de vida do feto após o nascimento cujo diagnóstico prévio hoje é possível.
Por outro lado, se permitiu, há mais de cinqüenta anos, com reconhecida e necessária coragem, o aborto sentimental independentemente dos riscos de vida à mãe e das condições do feto, admitiu como possível havendo risco à saúde física ou psíquica da mulher (e não só à vida) bens individuais que necessitam igual tutela o aborto de feto sem possibilidade de vida autônoma.
Essa interpretação parece mais condizente com o intuito da lei, não atenta contra o direito à vida e se reveste creio de ponderáveis contornos humanitários.
Geraldo Francisco Pinheiro Franco
FRANCO, Geraldo Francisco Pinheiro. Impossível a sobrevida do feto, deve ser autorizado o aborto. Boletim IBCCRIM. São Paulo, n.11, p. 01, dez. 1993.
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