O Brasil ocupa atualmente o primeiro lugar no mundo como o país em que mais se usa cocaína durante a gravidez.
Em Porto Alegre, um estudo demonstrou o uso por 4,6% das gestantes em geral. Em 70% dos casos foi utilizada com outras drogas. Os efeitos cumulativos dessas substâncias somam-se aos fatores quase sempre associados, como a ausência de procura por serviços de saúde durante o pré-natal, a má nutrição, as doenças infecciosas e mentais, a violência a qual essas mulheres (e bebês) são submetidas, a baixa escolaridade e a monoparentalidade.
Os bebês brasileiros, ainda no período fetal, têm sido expostos com muita freqüência a substâncias que não só podem causar efeitos a curto prazo, como, e mais freqüentemente, ocasionam efeitos a longo prazo, mais sutis, não menos graves, ocultos aos exames médicos de rotina no nascimento. São crianças que vêm ao mundo mais vulneráveis que as demais e que encontram uma mãe, na maioria das vezes, desamparada, doente e com grande dificuldade em exercer a função materna.
O recém-nascido exposto a drogas durante o período fetal pode apresentar sinais de irritabilidade e de abstinência, dificuldades na regulação motora e na atenção. A cocaína, ou crack, a maconha, o cigarro, o álcool, podem ocasionar comprometimento da atenção, da inteligência, problemas emocionais, dificuldade no controle dos impulsos, na capacidade de planejamento e de resolução de problemas em crianças e adolescentes expostos, mesmo que a gestante tenha feito uso de doses consideradas "sociais" e "aceitáveis".
No entanto, neste momento, sabe-se que os efeitos das substâncias químicas usadas durante a gestação, em muitos casos, podem ser amplamente modificados e reduzidos. A intervenção precoce na gestante e no recém-nascido exposto, assim como o sistema nervoso central, que continua seu crescimento e remodelamento principalmente durante os primeiros anos da infância, foram os responsáveis por histórias de sucesso no tratamento desses pacientes. A questão é que, para que essas mães e crianças recebam o atendimento adequado, é necessário o diagnóstico e exames que detectem o uso de substâncias incluídos no pré-natal e que se invista no tratamento especializado no período perinatal. Atualmente isto não ocorre e menos da metade das mães usuárias de drogas ilícitas informa este fato mesmo com uma entrevista médica detalhada.
Como profissional que atende recém-nascidos e mães, vejo a situação descrita como triste e preocupante. Entretanto, não há período da vida de três pessoas mais sensível que o de tornar-se pai, mãe e os primeiros anos de vida de uma criança. Nestes momentos, intervenções menores, mais curtas e de mais baixo custo podem ocasionar mudanças e resultados significativos.
A tolerância zero ao álcool na direção, ocasionando a redução drástica dos atendimentos por acidentes é apenas a "ponta do iceberg" do que poderia ocorrer se o foco das tentativas de resolução do problema do abuso de drogas fosse concentrado no início da vida e na prevenção.
Cabe aos profissionais da saúde e aos governos verdadeiramente sensibilizarem-se e investirem no início da vida, pois um país só pode ser considerado em desenvolvimento quando cuida de suas crianças.
Cabe a cada um de nós auxiliar, nunca incriminando, através do apoio, da empatia e do exemplo, gestantes, mães e pais a evitar completamente o uso e a exposição passiva a substâncias que comprovadamente causam danos aos bebês, como o cigarro, o álcool, a maconha, a cocaína, entre outras.
Esse, tenho absoluta convicção, é o único caminho para que alguma melhora seja alcançada.
*Médica pediatra
Zero Hora.
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