quinta-feira, 24 de julho de 2008

Artigo: Dogmática jurídica e a crise da pena

Por iniciativa do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais, realizou-se em setembro, na Faculdade de Direito da USP, conferência do Professor Eugenio Raul Zaffaroni sobre o tema "A pena e sua crise".

Começou o conferencista afirmado que os penalistas modernos não cuidam concretamente da pena; fazem Direito Penal sem pena; o Direito penal contemporâneo está renunciando à pena e com isso está esquecendo seus fundamentos. O Direito Penal autoritário está invadindo o mundo inteiro; historicamente, o Direito Penal nunca resolveu nenhum problema social, como o econômico, o da droga etc.. Mas é incrível a quantidade de problemas que programa para o Direito Penal resolver; os políticos quando enfrentam algum problema social e não sabem como resolvê-lo, transformam-no em problema penal; desse modo, o Direito Penal oferece muita ilusão.

Nos dias atuais existe uma forte demanda de eficácia do Direito Penal e, com isso, muitos esquecem seus limites éticos; assistimos a uma criminalização sem limites, ao aumento das penas. Confiam no Direito Penal. Mas esse é um discurso falso porque o Direito Penal não resolve nada. Para a teoria do funcionalismo sistêmatico, no entanto, o importante é que as pessoas acreditem nele; os civilistas sabem o sentido da sanção civil; já os penalistas não sabem que é a função da pena; os penalistas estão aperfeiçoando o discurso da eficácia, esquecendo os fundamentos constitucionais e internacionais que tutelam os direitos humanos; é muito positivo que alguns tribunais constitucionais ou internacionais estejam se preocupando com o princípio da culpabilidade; o penalista não pode ter como única preocupação procurar uma justificação para a punição: deve procurar moderar o poder punitivo do Estado.

O processo de criminalização não está nas mãos dos juristas; as agências executivas é que criminalizam, de modo seletivo; a polícia sempre procura os que têm "cara de prontuário"; o papel do juiz, neste contexto, é só limitador; de qualquer modo, é importante não perder de vista o velho Direito Penal garantidor. A função do penalista e do juiz é delimitar a pena e não justificá-la, até porque o Direito Penal atual persegue os mais vulneráveis. Quem possui um estado de vulnerabilidade alto (baixa condição social, aspecto estereotipado), é só sair para a rua; quem possui um baixo estado de vulnerabilidade (gente com "status") tem que fazer um grande esforço para ser selecionado pelo atual sistema penal.

É fundamental a utilização dos documentos internacionais que procuram resguardar os direitos humanos; a reparação dos danos é muito importante no moderno Direito Penal. O penalista atual não deve lutar pelo abolicionismo, senão pelo papel limitador do Direito Penal.

Luiz Flávio Gomes

GOMES, Luiz Flávio. Dogmática jurídica e a crise da pena. Boletim IBCCRIM. São Paulo, n.10, p. 02, nov. 1993.

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