segunda-feira, 7 de julho de 2008

Artigo: A desigualdade de renda caiu no Brasil?

Levantamento recente do Ipea constatou queda na concentração de renda de salários no Brasil, o que trouxe grande discussão na imprensa. A desigualdade da renda do trabalho no País, medida pelo índice de Gini, teve queda de quase 7% entre o quarto trimestre de 2002 e o primeiro trimestre de 2008, o que não deixa de ser bastante positivo. Por outro lado, ainda estamos no que é chamado de desigualdade extrema, comparada, alerta Márcio Pochmann, presidente do Ipea, à dos países menos desenvolvidos.

Afinal, a notícia é boa ou não? Evidentemente que é boa. O crescimento, combinado com o aumento do salário mínimo e políticas sociais mais competentes, tem contribuído para não apenas aportar mais recursos aos mais pobres, mas diminuir o grande fosso que separa as camadas sociais no País. Aproveitando um cenário internacional favorável, o Brasil vem crescendo nos últimos anos e tem criado mecanismos para que a renda maior não fique restrita às elites.

Um dos mais importantes foi o Bolsa-Escola, criado por sugestão de Ruth Cardoso, que vira o sucesso da iniciativa em Campinas. A idéia de pagar às famílias carentes para que enviassem seus filhos à escola e assim construir um futuro fora da pobreza para as futuras gerações fora introduzida naquela cidade por José Roberto Magalhães Teixeira, o Grama. Ruth quis ver esse programa de transferência de renda estendido aos demais municípios do País.

Hoje, com valor corrigido, são mais de 11 milhões de famílias que recebem o benefício em todo o Brasil (via Bolsa-Família). Este dado não modifica a renda do trabalho, mas constrói um caminho para uma redução consistente e ainda mais importante da concentração de renda, pois as crianças têm forte incentivo para continuar na escola.

Pode-se, certamente, discutir se a correção do valor da bolsa em ano eleitoral atende a outras agendas, mas a educação é o mecanismo mais efetivo para combater a pobreza e as desigualdades, como mostra o estudo do Banco Mundial Redução da Pobreza e Crescimento: círculos virtuosos e círculos viciosos, de 2006. O que garante a saída de uma família da situação de pobreza é a mãe ter concluído o ensino médio. Fica evidente, pois, a necessidade de assegurar que jovens continuem a estudar para além dos 14 anos e numa escola que ofereça ensino de qualidade.

O salário mínimo tem tido seu valor corrigido, o que contribui, juntamente com a crescente formalização das relações de emprego, para a diminuição da concentração de renda. O último aumento, em março, não só levou a uma melhora da situação de mais de 3 milhões de trabalhadores e 13 milhões de aposentados, como, segundo estimativa do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), vem injetando mais R$ 1,7 bilhão por mês na economia. É certo que o impacto nas contas da Previdência traz riscos às finanças públicas e reduz o porcentual disponível para investimento, mas o resultado do aumento do mínimo tem potencial de redução de desigualdade e não tem levado, como prediziam alguns, ao aumento da informalidade.

Em 2006, outro importante estudo do Ipea sobre o tema, Desigualdade de Renda no Brasil: uma análise da queda recente, constatava que a desigualdade de renda familiar per capita estava caindo desde meados da década de 1990 e de forma mais acentuada a partir de 2001, alcançando em 2005 seu menor nível nas últimas três décadas. Ricardo Paes de Barros, um dos autores do estudo, afirma hoje que uma das mais importantes Metas do Milênio, a de redução da pobreza extrema à metade do que era em 1990, até o ano de 2015, já foi cumprida pelo Brasil em 2006. O mais importante: este fato se deve, nas palavras do pesquisador, proporcionalmente mais à redução da desigualdade do que ao crescimento verificado nos últimos anos.

Alguns pesquisadores têm levantado dúvidas sobre a sustentabilidade destas medidas. Pois dependemos do que ocorre no cenário mundial em termos de possibilidades de crescimento e do risco inflacionário, agora que a China passou a exportar inflação e o preço do petróleo afeta tudo o que é transportado. Afinal, sem crescimento dificilmente haverá distribuição importante de renda. Mas, na hipótese de manutenção de crescimento, os programas de transferência de renda vinculados à educação têm todas as condições de construir uma realidade menos injusta. As crianças e os jovens agora freqüentando a escola, que tem sua qualidade um pouco mais monitorada, poderão não se contar mais entre os pobres num futuro não tão distante.

Evidentemente, estes bons resultados podem ser comemorados, mas ainda há áreas importantes de risco. A capacitação dos trabalhadores para atuar numa economia que demanda, ao mesmo tempo, maior especialização e flexibilidade, dada a rápida obsolescência de técnicas e processos industriais, é uma delas. Muitos operários, com acesso limitado a escolas, pertencem ao grande exército de analfabetos funcionais do País e, apesar de considerados alfabetizados pelo Pnad, não conseguem ler manuais simplificados sobre máquinas instaladas nas empresas onde trabalham ou acompanhar treinamentos técnicos que lhes permitiriam maior empregabilidade. O mesmo se pode dizer sobre o agronegócio ou o setor de serviços, em que a informatização e a integração dos processos de gestão passaram a demandar outro tipo de profissional.

A volta da inflação pode também comprometer boa parte do que se fez nestes últimos 12 anos. O aumento do preço dos alimentos afeta mais pesadamente os mais pobres. Mas outro risco para a preservação de boas políticas públicas desconcentradoras de renda é o do aparelhamento de uma instituição séria como o Ipea (e se na primeira noite pegam o Ipea, o que ocorrerá com o IBGE na segunda?). Prefiro pensar que se trata de um grande mal-entendido que logo será esclarecido pelos mais sensatos.


Por Claudia Costin, professora do Ibmec-SP, foi ministra da Administração Federal e Reforma do Estado e secretária de Cultura do Estado de São Paulo


Estadão.

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