quarta-feira, 16 de julho de 2008

Artigo: Conceituação de maus antecedentes

Ao conhecer da causa-crime e proferir decisão condenatória, o juiz, para fixar ao réu sua pena, atenderá ao ponto dos antecedentes . É a dicção do art. 59 do Código Penal.
Que coisa, porém, `a face da Justiça Criminal, é isto dos antecedentes?

Os mais dos autores têm para si (e o mesmo étimo está a persuadi-lo) que antecedentes significam os fatos pretéritos da vida de alguém.

Não só os fatos anteriores bons, também os maus (sobretudo estes, pois quer irão agravar a sorte do condenado) caem na conta do julgador. Destarte, importa saber que se entende, para os efeitos da lei penal, por maus antecedentes . Geralmente falando, são os fatos concretos do currículo da vida pregressa do acusado, reveladores "de uma hostilidade franca, ou militante incompatibilidade em relação `a ordem jurídico-social" (1)

Nem todo fato anti-social, entretanto, há de ser averbado de mau antecedente; só o que for "a expressão de uma personalidade predisposta para o crime" (2). Esta, a razão por que nossos Tribunais, seja por advertirem no conveniência de se oporem temperamentos `a repressão das "infrações penais de menor potencial ofensivo" (3), seja por lhes parecer que, avaliando com extremos de rigor as ações humanas, antes estariam servindo `a iniqüidade que `a Justiça, têm ultimamente expungido o caráter de maus antecedentes a certos episódios e acontecimentos da vida pretérita do indivíduo. Demonstram-no julgados sem conto, que o saudos penalista Celso Delmanto e seu diligente irmão Roberto deram a lume em livro prestantíssimo (4). "Exempli gratia": mercê do estado de inocência do réu, princípio que nossa Carta Magna recebeu como garantia fundamental (5), a increpação de portador de maus antecedentes já não pode prevalecer contra aquele que, por desventura, tenha processo ou inquérito policial em andamento. Com maioria de razão, se absolvido o réu ou arquivado o inquérito.

Tal liberalidade no conceitual maus antecedentes chegou, no entanto, a mais. Deveras, ainda que anteriormente condenado, não se reputa de maus antecedentes o réu, se decorrido o qüinqüênio depurador (art. 64, nº II, do Cód. Penal). É que, segundo ponderou em celebrado voto o Min. Vicente Cernicchiaro, "o estigma da sanção criminal não é perene. Limita-se no tempo" (6).

Fora injúria grande aos preceitos lógicos, em verdade, não desaparecessem com a reincidência também os maus antecedentes que a pressupunham ("Sublata causa tollitur effectus"). Volvidos cinco anos, a condenação anterior já não opera o efeito da reincidência: esta desaparece, e com ela os maus antecedentes.

Tal doutrina, conquanto se afigure demasiado generosa para com o infrator, não discrepa todavia do sistema filosófico sob cuja inspiração o legislador da parte geral do Código (art. 66) criou as circunstâncias atenuantes inominadas, como a lembrar a todos os que julgam que o réu, não podendo ser um relicário de virtudes, nem por isso houvera de ser um filho bastardo de Belzebu.

Notas

(1) Nelson Hungria, Comentários ao Código Penal, 1951, vol. III, pág. 83:
(2) José Frederico Marques, Curso de Direito Penal, 1956, vol. III, pág. 74:
(3) Art. 98, nº I, da Constituição Federal. Faz muito ao caso o erudito artigo doutrinário de Luiz Flávio Gomes, tirado `a luz na Revista Brasileira de Ciências Criminais (número especial de lançamento, págs. 88 a 109) sob o título: "Tendências políticos-criminais quanto `a criminalidade de bagatela";
(4) Código Penal Comentado, 3ª ed., pág. 92;
(5) "Ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória" (art. 5º, nº LVII);
(6) DJU, 29.3.93, pág. 5.268.

Por Carlos Biasotti


BIASOTTI, Carlos. Conceituaçäo de maus antecedentes. Boletim IBCCRIM. São Paulo, n.7, p. 07, ago. 1993.

Nenhum comentário:

Pesquisar este blog