terça-feira, 8 de julho de 2008

Artigo: As sanções civis e penais decorrentes de lesões corporais

Muitas pessoas não têm noção do que representa agredir o corpo de outrem e de suas conseqüências civis e penais.

Sob o ponto de vista civil, as lesões podem ser causadas intencionalmente ou não. No primeiro caso a sanção será maior. A importância do tema se reflete no nosso dia a dia, pois, embora não haja intenção na agressão, sendo o ato ilícito, haverá a obrigação de reparação (art. 927, caput, do Cód. Civ.).

A reparação civil fará com que o autor seja obrigado a pagar ao agredido danos materiais e morais, aqui incluído o dano estético, para facilitarmos o entendimento deste artigo por pessoas não ligadas a área do direito.

A reparação pelos danos materiais deve buscar ao máximo um valor preciso a ser reparado, assim, se “A” bate no veículo de “B”, mesmo sem a intenção, deverá reparar o prejuízo causado no veículo de “B”. Tendo “A” seu veículo assegurado, pagará a franquia e “B” terá seu veículo reparado. No direito este princípio é conhecido como o princípio da reparação integral.

No que se refere a reparação pelos danos morais vem o grande problema, pois não existem valores fixos de indenização, tudo depende do julgamento de cada juiz. Assim, quando alguém realiza um contrato de seguro de veículo normalmente se preocupa somente com a reparação dos danos materiais e deixa de lado ou da menos importância a reparação dos danos morais. Aqui mora o perigo!

Num acidente de veículo, dependendo do caso, as pessoas poderão sofrer lesões leves, graves e gravíssimas. O valor destas indenizações são muito altos. O valor das indenizações por lesões corporais de natureza gravíssima em diversos casos ultrapassa os 500 mil reais, logo, se uma pessoa for ferida gravemente o valor é alto, imagine duas ou três! Isto serve para demonstrar a preocupação dos nossos tribunais em proteger o corpo das pessoas, mas não é só em acidente de veículo e sim em todas as situações onde ele venha a ser agredido. Logo, é muito importante ter o cuidado em não lesar ninguém, sob pena de civilmente o castigo ser muito duro.

No que se refere aos aspectos penais, a Lei dos Juizados Especiais Criminais (Lei n.º 9.099/95) revolucionou o direito penal e processual penal brasileiro, uma vez que passou a objetivar a reparação dos danos sofridos pela vítima e a não aplicação de pena privativa de liberdade.

Quando uma pessoa, agindo contrariamente à lei, faz um dano à outra, surgem, na mesma hora, duas espécies de responsabilidade: civil e criminal. Se violou um contrato ou descumpriu uma obrigação assumida, responde pelos prejuízos causados. Se furtou, matou, causou lesão corporal, agrediu, cometeu fraude, passou cheque sem fundos, etc., é responsável civil e criminalmente.

Em regra, a responsabilidade civil é independente da responcriminal (CC, art. 1.525). Entretanto, a materialidade do delito e a autoria deste, além da ilicitude do ato, uma vez comprovano Juízo criminal, fazem coisa julgada também no cível. Vide CPP, arts. 63 a 67.

A obrigação de indenizar o dano causado pelo crime é efeito da condenação criminal (CP, art. 91, 1).

A sentença criminal definitiva é título executivo judicial (CPC, art. 584, II), dotado de certeza e exigibilidade, mas carecedor de liquidez. A respeito, vide CPC, arts. 603 a 611 e CC, arts. 1.537 a 1.553.

A liquidação da sentença condenatória criminal é feita por ar(CPC, arts. 609 e ss.), com a citação do executado para oferecer defesa (procedimento ordinário). Será aí apurado o montante da indenização e quem deverá recebê-la. Pertine ao tema o que dispõe a Súmula n.º 491, do STF: “é indenizável o acidente que causa a morte de filho menor, ainda que não exerça trabalho remunerado.”

São legitimados ordinariamente, tanto para a liquidação como para a execução em comento, o ofendido, seu representante legal ou os seus herdeiros (CPP, art. 63 e CC, art. 1.526). A legitimação extraordinária (ou substituição processual) é atribuída ao Ministério Público, desde que para tanto o órgão seja provocado pelo prejudicado pobre (CPP, art. 68; CPC, arts. 81 e 566,11; e Lei Complementar n.º 40/ 81, art. 3.º, III).

A reparação civil pode assumir várias formas: multa, indenização, retorno ao estado anterior, compensação, perdas e danos, lucros cessantes, etc.

Essa reparação do dano exclusivamente nas áreas do Direito Civil, Direito Administrativo, Direito Constitucional ou Direito do Trabalho, na realidade não deixa de ser uma pena. E a pena civil é muitas vezes mais grave, mais rigorosa e mais onerosa do que a pena penal.

Assim, por exemplo, entre pegar uns dois anos de cadeia (pena penal) e perder o emprego (pena administrativa), o funcionário condenado preferirá, muitas vezes, ficar preso por dois anos (e até mais), do que perder seu salário e suas garantias de emprego e aposentadoria pelo resto da vida.

É em torno destes dois motivos centrais crime e pena que se move todo o sistema do Direito punitivo, quer na seara criminal, como na civil, impingindo ao ofensor duas espécies de sanções pelo ato cometido.

Assertiva de incontestável propriedade é a de que qualquer que seja a época ou o local, desde que há homens na Terra sempre houve Direito. Justo ou injusto, rudimentar ou erudito, de maior ou menor abrangência, sempre houve uma forma de Direito. Atrelado que está, de forma mais ou menos intensa, mas sempre presente, ao fato (ex facto oritur ius) é de se ter por natural a evolução do fenômeno jurídico. Procurando adequar-se à realidade a qual pertence, pena de cair por terra sua aplicabilidade em um contexto fático ao qual não mais corresponde.. O direito sempre corresponde ao seu tempo, mas a maior ou menor correspondência por óbvio que se condiciona à legitimidade do sistema jurídico que se considera. Quanto maior a legitimidade, maior a correlação da ordem jurídica com o mundo, seu continente. Deste modo, estudar o Direito é estudar a dinâmica da humanidade. Esta consideração é extremamente pertinente para que lancemos as bases de nossos estudos, pois a Lei 9.099/95 é exatamente um passo nesta evolução, representando uma evolução na política criminal em nosso país na busca de consonância com uma tendência mundial, almejando uma eficácia legal mais consentânea à ordem politico-jurídico-social do mundo atual.

Não deve o jurista deixar passar despercebida a revolução que ora se opera, sendo de mister esmerar-se em bem conhecer o novo diploma legal que antes de ser um fato isolado é, outrossim, materialização de novos horizontes que se abrem como perspectiva futura.

Historiando a reparação do dano do direito brasileiro, apontamos as seguintes conclusões: a) durante muito tempo houve um “esquecimento da vítima no direito penal brasileito”; b) o resurgimento da vítima ocorreu com a edição da lei 9.099/95 (Lei do Juizado das Pequenas Causas), que trouxe grandes novidades, entre elas a composição civil, a transação penal e a suspensão condicional do processo; c) todos esses institutos, se bem utilizados, podem servir para, resolvendo a questão penal, reparar o dano causado pelo delito; d) esses institutos, porém, não são suficientes para garantir a reparação do dano em todos os casos, havendo a necessidade do Estado criar mecanismos para que esta reparação seja efetiva; e) a constituição de um Fundo de Reparação do Dano é instrumento importante para minimizar os efeitos danosos dos crimes.

Vitimologia é o estudo da vítima em seus diferentes aspectos. Eduardo Mayr conceitua vitimologia como sendo

“...o estudo da vítima no que se refere à sua personalidade, que do ponto de vista biológico, psicológico e social, quer o de sua proteção social e jurídica, bem como dos meios de vitimização, sua inter-relação com o vitimizador e aspectos interdisciplinares e comparativos”.(apud RIBEIRO, 2001, p. 30).

Percebe-se, então, que a vitimologia é muito mais do que o estudo da influência da vítima na ocorrência do delito, pois estuda os vários momentos do crime, desde a sua ocorrência até as suas conseqüências.

Mesmo diante dos últimos avanços da vitimologia no campo da reparação do dano, muito ainda precisa ser feito. Embora a Lei 9.099/95 e as outras leis acima referidas tenham trazido importantes instrumentos para a busca da reparação, o certo é que em todas elas há a previsão de que a reparação do dano só será obrigatória quando o agente tiver meios de fazê-lo.

No Brasil pobre em que vivemos, onde a situação dos réus reflete a situação do país, não há dúvida de que a maioria deles são pessoas pobres e incapazes de reparar o dano. Diante disso, todo e qualquer avanço no campo da reparação do dano esbarra na impossibilidade material dos réus. Já em 1973, Edgar de Moura Bittencourt escreveu o seguinte:

“Quando o infrator tem recursos, é simples a restauração do equilíbrio econômico, com a correlata ação de indenização, que a lei civil outorga ao ofendido contra seu ofensor. Mas quando este não tem com que indenizar ou pelo menos com o que indenizar cabalmente (talvez esta seja a maioria dos casos), restará a injustiça social, pelo desequilíbrio econômico”. (BITTENCOURT, Edgar de Moura. Vítima. São Paulo: Edição Universitária de Direito, 197, p. 34)

Solução interessante poderia ser a instituição de um fundo de reparação de danos às vítimas, constituído da receitas obtidas com as multas e com verbas estatais. O Estado, em última instância, tem por obrigação garantir os bens jurídicos e, em caso de lesão, deve promover a sua indenização.

Registramos que no 1º Congresso Internacional de Vitimologia, realizado em Jerusalém, foi recomendado que as nações criassem um instrumento oficial de compensação para as vítimas de crime, independente da reparação do dano por parte do próprio criminoso.(cf. FERNANDES & FERNANDES, Criminologia integrada. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1995).

A nosso ver, este é o caminho da evolução e a perspectiva é de um sistema garantidor da reparação do dano. Somente com a constituição de um Fundo de Reparação à vítima, o Estado dará resposta eficaz à população que exige um sistema adequado, e que garanta o ressarcimento do dano causado pela criminalidade, pois em última instância é o Estado quem deve garantir a segurança da população.


Por Eliane Alfradique é juíza de Direito. Robson Zanetti é advogado. Doctorat Droit Privé Université de Paris 1 Panthéon-Sorbonne. Corso Singolo Diritto Processuale Civile e Diritto Fallimentare Università degli Studi di Milano.
robsonzanetti@robsonzanetti.com.br


O Estado do Paraná, Direito e Justiça, 06/06/2008.

Nenhum comentário:

Pesquisar este blog