domingo, 20 de julho de 2008

Artigo: Aos policiais brasileiros...

Hora para outra, tudo deu errado. Os superiores deram públicas declarações que você errou sozinho e que era, em verdade, praticamente um estranho naquele meio. De seus próprios e incontáveis companheiros da força (“todos por um...”) restaram-lhe, solidários, apenas dois ou três a confortá-lo e, discretamente, a sua família. Perdida a linha do horizonte e algumas crenças “inabaláveis”, quando sobra o “direito de ir”, se vai à busca dos conselhos do advogado.

O bombardeio da mídia, a torturante enxurrada de pensamentos na família, nos amigos, na imagem, carreira e nas outras formas apregoadas de cumprimento do dever... “Minuto para outro, virei uma espécie de Judas contemporâneo... Ficha limpa, sempre fui um bom policial!”

Empenho-lhes minha palavra de advogado, para testemunhar que esta é a “vinheta de abertura” de todas as primeiras consultas, nos casos envolvendo acusações contra policiais.

Creio que já na definição do que vem a ser um bom policial, pode residir grande parte do problema. Para juízes e promotores, que determinam ou homologam diligências, um bom policial será sempre aquele que cumpre com seu dever sem omissões nem excessos. Saber, porém, onde ficam os limites dessas tênues e utópicas linhas, não é bem ensinado e é exigido do policial. Pela invasão desses territórios imaginários, paga ele com sua carreira, família, liberdade e honra pessoal. Para os próprios policiais, esse conceito sofre negativas influências de um folclórico comportamento latino, onde o enfrentamento é pessoal (eu contra o criminoso: “capturo-te ou te mato já...”) em vez do técnico, de inteligência e equipe (o Estado contra a criminalidade: “estamos no encalço. Em breve será surpreendido e preso...”). Mais prudente este método, onde quem precisará de advogado é o preso e não o policial... Já, para seus superiores hierárquicos, bom policial é aquele que cumpre ordens, sem questionamentos sobre a forma imposta, podendo trazer bons dividendos políticos para a corporação. Afinal, o chefe maior sempre dependeu do voto e o titular da pasta (nomeado) se sustenta na opinião pública. Esta é a razão para serem creditados os acertos para o comando da instituição e debitados os erros para um ou mais policiais isoladamente, com severas punições e prisões.

Tenho como bom policial aquele que aprisiona e não o que mata. A morte da pessoa que se persegue deve ser raríssima exceção e sempre amparada em provas cristalinas de que não se teve como evitá-la. O grande mérito da polícia está em capturar delinqüentes para que respondam perante a Justiça. Bom policial tem consciência de seu ofício e, conforme a lei, se recusa a cumprir ordens manifestamente ilegais (ex. torturar presos, truculências desnecessárias, vá arrebente e volte, etc.) respondendo respeitosamente ao superior: não podemos fazer isto senhor... Dando a entender que pretende se aposentar como policial honrado, cumpridor da lei e não como violador dela, colocando tudo a perder. Ou, com a saída tradicional dos velhos “tiras”: “não é o senhor que vai segurar a bronca depois...”

Encerro com um pequeno troféu, resultado de aconselhamentos quando na defesa dos interesses do Sindicato dos Policiais Civis do Paraná, quando atendi um policial com vários processos administrativos disciplinares e alguns criminais. Notei pelas datas fatos que mesmo com instauração de processos os problemas dele se repetiam. O interessado passou a me ouvir (passe a bola para os outros; não queira resolver tudo na hora como se você fosse o último policial do planeta ou como se não houvesse amanhã; O criminoso pode ser preso em alguns dias; entre fazer errado ou na dúvida, opte por não fazer...) e fomos resolvendo um a um os problemas. Passado algum tempo, em reencontro eventual ele diz: lembrei do senhor, dia destes tive um cara na mira da minha arma, bastava apertar o gatilho. Lembrei... segurei... fizemos a prisão dele mais tarde.” Creio ter consolidado dentro dele o que tentei lhe incutir: Eu não sou a lei nem a polícia, apenas um policial. A polícia é um sistema... E não tente aprender isto com erros próprios... Lembra-se dos termos do compromisso ou juramento por ocasião da posse? É somente aquilo, nada mais...

Assim, festa maior que a da posse deve ser a da aposentadoria. Nem todos os que tomaram posse chegarão nela!


Por Elias Mattar Assad é presidente da Associação Brasileira dos Advogados Criminalistas. eliasmattarassad@yahoo.com.br


O Estado do Paraná, Direito e Justiça.

Nenhum comentário:

Pesquisar este blog