quinta-feira, 3 de julho de 2008

Artigo: Antanas Mockus, o prefeito performático

Passou por São Paulo estes dias Antanas Mockus, um filósofo e professor universitário colombiano que conseguiu o impossível: reduziu a violência em Bogotá no meio da infindável guerra civil entre o Exército, paramilitares de direita e guerrilheiros de esquerda.

Mockus foi prefeito da capital da Colômbia por dois mandatos, o último terminado em 2003. Venceu as eleições como candidato independente, criticando o “bipartidismo bobo” que domina a política de seu país.

Bogotá tem sete ou oito milhões de habitantes e vivia naquele estado à beira do colapso comum às grandes cidades latino-americanas: o crime desembestado, o trânsito caótico, os serviços públicos destruídos, a população apática, qualquer resquício de vida comunitária esquecido.

Antanas Mockus enfrentou o caos bogotano como uma espécie de Cristovam Buarque performático (ele também era reitor da Universidade Nacional antes de entrar na política). Apostou que só conseguiria mudar alguma coisa se fizesse de seus mandatos de prefeito uma grande experiência educacional.

“Há problemas que se resolvem com dinheiro, outros com a aplicação da lei, outros com educação, a maneira mais difícil”, ele diz em entrevista a Raul Juste Lores, na Folha de S. Paulo. “Continuo a me sentir um educador, só entrei na política porque sabia que iria ensinar e aprender.”

Um dos maiores desafios foi melhorar a segurança sem falar o tempo todo em medidas estritamente policiais. A polícia também foi reformada, mas Mockus prefere falar em autoregulamentaçã o, em construir cidadania. E não tem medo de contrariar o senso comum.

Muros altos, para ele, dão uma falsa sensaçao de segurança. “A vigilância eletrônica e a vigilância social funcionam mais sem áreas escondidas”, diz. “Aquele que se fecha cria lugar propício para o crime.”

A vedadeira segurança é a garantida pelo espaço público ocupado. Quanto mais gente na rua, mais segura ela é (Jane Jacobs, a autora de “A Morte e a Vida das Grandes Cidades Americanas”, um dos livros fundamentais sobre cidades e urbanismo, tinha a mesma opinião).

Para o ex-prefeito bogotano, o espaço público é sagrado. A chave da segurança e do prazer da vida urbana, portanto, é recuperar o espaço público para o uso dos cidadãos.

(a propósito, quem saiu de casa na recente Virada Cultural de São Paulo – uma noite inteira de apresentações artísticas de graça em diversos pontos da cidade – deve concordar. Em quase todos os relatos que li e ouvi, as pessoas falavam maravilhadas do prazer que tinha sido passear sem medo às duas da manhã pelo Centro Velho, lotado de gente.)

Mockus brigou, por exemplo, para que as ciclovias que espalhou pela cidade passassem por dentro dos condomínios fechados onde se refugiaram os mais ricos (lá como cá). Mais uma vez, quanto mais ciclistas, mais segura seria a rua.

E teve sacadas pedagógicas que sacudiram os preconceitos e as rotinas – algumas delas, reconhece ele, nascidas da necessidade de fazer algo sem ter muitos recursos. O que faz as pessoas reconhecerem uma rua como segura? perguntou-se uma vez.

A presença de mulheres sozinhas, ele mesmo respondeu. Estava inventada outra de suas ações de choque: as noites das mulheres, em que, por sugestão da prefeitura, só as mulheres foram para as ruas. Os homens ficaram em casa cuidando das crianças.

Para dramatizar as mortes no trânsito, Mockus mandou pintar uma estrela no asfalto em todos os pontos da cidade onde um pedestre tivesse morrido atropelado. Escalou quatrocentos mímicos para representar cenas-relâmpago nos cruzamentos e constranger os motoristas a respeitarem as faixas de pedestres.

Também distribuiu 700 mil cartões vermelhos e verdes para que os próprios motoristas fiscalizassem uns aos outros. E por aí foi, sempre surpreendendo os bogotanos. “Não temi ser chamado de ridículo ou populista com meus atos” apressa-se a esclarecer. “Decidi arriscar, um risco pedagógico.”

Funcionou? A taxa de homicídios na cidade baixou de 80 por cem mil habitantes em 1993 para 18 por cem mil no ano passado. As mortes no trânsito caíram pela metade até 2002, e a arrecadação de impostos da prefeitura triplicou.

Depois de deixar a prefeitura de Bogotá, Antanas Mockus anda pelo mundo dando aulas e conhecendo outras cidades. No futuro, ele acredita que todas as grande metrópoles terão de seguir Londres e Cingapura e criar um pedágio urbano para o carro particular (Paris e Nova York já têm projetos nesse sentido).

A prioridade deve ser o transporte público, diz ele. Não dá para gastar dinheiro público nas obras caríssimas que o tráfego de carros demanda. O mundo inteiro já sabe disso, mas nós somos cabeça-dura. Quem sabe um dia aprendemos.

Armando Mendes é jornalista

O Globo.

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