domingo, 27 de julho de 2008

1,7 milhão de crimes não investigados

De todos os crimes que chegam oficialmente ao conhecimento da Polícia Civil no Rio Grande do Sul, quase a metade não é investigada.

Um relatório da Divisão de Planejamento e Coordenação da Polícia Civil obtido com exclusividade por Zero Hora revela que, entre 2002 e 2007, a polícia instaurou 3,9 milhões de inquéritos e termos circunstanciados (TCs) - expedientes que servem para documentar a investigação de crimes e são usados como base para o processo de julgamento. No mesmo período, a polícia encaminhou ao Ministério Público apenas 2,1 milhões de procedimentos. Isso significa que 1,7 milhão (45%) de registros de crimes permanecem nas delegacias, insolúveis, à espera de "um fato novo" para que os suspeitos sejam julgados.

Écomo se todos os habitantes de Porto Alegre e de Canoas, a segunda maior cidade da Região Metropolitana, cometessem um crime cada um e ficassem impunes.

- O número revela o caos da segurança pública no Estado. Mais de 90% (dos casos que ficam nas delegacias) são inquéritos formais, com uma ocorrência arquivada numa caixa, aguardando que um fato novo chegue ao conhecimento da polícia. Lamentavelmente, hoje, o crime compensa - analisa Nilson de Oliveira Rodrigues Filho, um dos promotores do Grupo de Controle Externo da Atividade Policial do Ministério Público.

O percentual de 45% de crimes sem investigação, considerado alto por especialistas, só não é maior graças ao trabalho realizado em delegacias localizadas em cidades de médio e pequeno porte - com menos de 100 mil habitantes, justamente aquelas com índices de criminalidade baixos. São essas localidades que, salvo exceções, aumentam a média de inquéritos remetidos à Justiça.

Se forem selecionadas cidades com altos índices de criminalidade - como a Capital, os municípios da Região Metropolitana, Uruguaiana, Caxias do Sul, Passo Fundo e Rio Grande - , o percentual de procedimentos remetidos ao MP é mais baixo. Em alguns casos, 90% dos inquéritos e dos TCs (espécie de inquérito para crimes de menor gravidade) instaurados nos últimos cinco anos continuam nas delegacias.

- Há um processo de descriminalização informal realizado pela própria Polícia Civil. O filtro do que será ou não investigado é feito pela polícia, sem acompanhamento algum. A idéia de que tudo será investigado não existe, mas não pode se chegar a este número. É patético - diz o advogado Aury Lopes Filho, doutor em direito penal e professor de pós-graduação da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS).

Para Aury, atribuir essa defasagem à falta de efetivo é um equívoco.

- É um argumento medíocre - critica o professor.

Para o consultor em segurança pública e professor do Instituto Porto Alegre (IPA) Marcos Rolim, o cruzamento de informações traria revelações mais surpreendentes da instituição criada em 3 de dezembro de 1841 pelo imperador Dom Pedro II.

- Seria preciso saber quantos dos inquéritos remetidos ao Judiciário são derivados de flagrantes (a maioria dessas prisões é feita pela Brigada Militar). Suspeito de que seja muito expressivo. Saber este percentual oferecerá uma idéia da capacidade real de investigação da polícia, que é muito baixa. Seria preciso saber quantos dos inquéritos remetidos à Justiça indiciam alguém e quantos destes inquéritos com indiciamento deram origem a sentenças condenatórias - sugere Rolim.

MP admite que o controle externo não deu resultados

Para o especialista, é importante identificar o que pesquisadores definem como "taxa de atrito" - a diferença entre as ocorrências de crimes registradas e as condenações.

- Sabemos que cerca de 1% do total dos delitos praticados redundam em condenações, inclusive em países como os EUA. Para crimes violentos, é claro, a taxa de atrito nestes países é menor. E no Rio Grande do Sul, como será? Qual é, por exemplo, o número de inquéritos remetidos à Justiça nos casos de homicídio e qual o percentual de condenações? E crimes sem vítima, como o tráfico de drogas, qual o volume de denúncias recebidas, de inquéritos concluídos e remetidos e de condenações? - questiona Rolim.

São perguntas sem respostas, e longe de se obtê-las. A Chefia de Polícia não divulga informação do trabalho e da produtividade da corporação. A cúpula do MP também veda a divulgação de relatórios anuais produzidos pela equipe do Grupo de Controle Externo da Atividade Policial do MP.

- Não divulgamos os relatórios do controle externo porque há questões de segurança envolvidas e porque ainda há espaço para o diálogo com a polícia. Vamos negociar enquanto houver pontes a serem cruzadas - explica Eduardo de Lima Veiga, da Subprocuradoria-geral de Justiça para Assuntos Institucionais do MP.

Segundo homem na hierarquia do MP no Estado, Veiga reconhece:

- O controle externo não está dando resultado. A polícia não compreende o real sentido do trabalho.

Protegida pelo silêncio, a Polícia Civil reproduz vícios que atravessam três séculos.

- Computadores são utilizados como máquinas de escrever melhoradas - resume o promotor Rodrigues Filho.


Zero Hora.

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