domingo, 1 de junho de 2008

O Efeito Cinderela

Madrastas e padrastos tem má fama. Chega-se a falar do Efeito Cinderela, história clássica generalizada para todos menores abusados (as) por padrastos ou madrastas.
O que se sabe sobre isso?

Martin Daly e Margo Wilson são nomes de referência que deram seriedade acadêmica ao Efeito Cinderela. Estimaram as taxas de homicídios por espancamento de menores de 5 anos pelos padrastos e pais biológicos no Canadá, usando dados de 1974 a 1990. Seus resultados mostram não uma, mas duas relações: os que se casam formalmente matam menos do que os que simplesmente se juntam e os pais biológicos matam menos do que os padrastos. As diferenças que encontraram não são pequenas. A “formalidade” do casamento conta muito: entre os pais biológicos ela reduz a taxa de mortalidade por milhão de díades pai/filho(a) de 30,6 para 1,8 e entre os padrastos de 576,5 por 70,6. Vejam quanto essas duas variáveis, casar no papel e ser pai biológico reduzem o risco de homicídio da criança: de 576,5 num extremo para 1,8 no outro. O pior cenário para a criança é o da mãe solteira ou descasada que tem inúmeras relações informais com outros homens. Esse risco é ainda maior se a saúde da criança for pobre.

Por que o casamento com papel produz menos violência? Há os que vêem no papel um sinal de compromisso (quando não há coação); outros propõem que há variáveis associadas com o papel (como recursos e classe social) que podem contribuir para explicar. Porem, para explicar o porquê da diferenças entre pais e mães biológicas e não biológicas, há muito dissenso. Daly e Wilson enveredaram por explicações baseadas na contestadíssima biologia social.

O contraste com a escola sueca é grande. Johanna Nordlund e Hans Temrin, juntamente com Susanne Buchmayer e Magnus Enquist, estão entre os principais opositores da biologia social. Argumentam que, pelo menos na Suécia, o Efeito Cinderela não existe. Afirmam que o homicídio de menores não é um fenômeno homogêneo: inclui tipos e variedades. No mais freqüente, a morte da criança resulta de um conflito entre os pais. O filhicídio por pais biológicos vai acompanhado de conflitos domésticos, e até uxoricídio e suicídio com maior freqüência do que quando os assassinos são outros.

Padrastos e madrastas tem risco mais alto de matar enteados e enteadas em conflitos diretos com eles do que os pais genéticos. Uma parte significativa das crianças pequenas mortas deriva de outro fenômeno, chamado eufemisticamente de H/S, homicídios seguidos de suicídios, em geral mortas pelas mães. Já homens, quando matam e se suicidam, as vítimas são predominantemente suas companheiras ou ex-companheiras.

Outras pesquisas mostram que há outros fatores que contam. Um deles é a presença de filhos do segundo casamento: aumenta o risco. Nos casos em que, os pais ou as mães tenham filhos no novo casamento, o enteado(a) tem um risco maior de abuso, violência e abandono antes de morrer assassinado. Raramente se trata de um “instante infeliz”: segundo Harris e colaboradores, há um percurso, que deixa rastros e pode ser longo antes da violência final. Amigos, parentes e vizinhos têm alguma chance de uma intervenção salvadora: saber que alguém mais está atento intimida alguns dos agressores potenciais e reduz o risco de morte. Há sinais: crianças machucadas que não são levadas rapidamente ao médico ou ao hospital; tentativas de ocultar as lesões e explicações vagas ou contraditórias sobre como aconteceram; crianças que pedem comida ou aparecem na hora do almoço ou do jantar; crianças sós na rua tarde da noite, entre outros. As crianças podem manifestar comportamentos variados que indicam abuso: extrema passividade, fadiga, assim como agressividade e negatividade. É preciso, também, observar pais e mães porque é alta a incidência de doenças mentais entre mães que matam seus filhos, sobretudo entre as que matam filhos maiores.

O abuso sexual de meninas por pais biológicos e por padrastos também tem correlatas diferentes: no caso de abuso pelos pais, a presença de drogas e álcool, assim como de conflitos familiares e renda baixa é muito maior. Porem, os padrastos que abusam de suas enteadas não têm essas características. O abuso sexual de menores, inclusive por outros menores, é muito comum, mas poucos chegam ao conhecimento das autoridades.
E a cultura, conta?

Conta, e muito. Primeiro, as taxas de infanticídio e de homicídio de menores variam muito entre os países, e em geral variam junto com as taxas nacionais de homicídio. Há países mais e menos violentos. Segundo, os tipos mais freqüentes de mortes de menores não são os mesmos. É o argumento de Nordlund e Temrin.

O oposto também acontece: há filhos que matam pais (e irmãos, tios, avós etc.). Kathleen M. Heide analisou parricídios e matricídios nos Estados Unidos. Ainda se sabe pouco sobre esse crime: na média, os que matam mães e madrastas são muito mais jovens do que os que matam pais e padrastos; nos Estados Unidos, os hispânicos raramente matam as mães, e pouco mais.

A grande maioria de padrastos e madrastas não abusa dos filhos “da outra” ou “do outro”. Muitas estão conscientes da rejeição que sentem pelo enteado ou enteada. Não a entendem, nem a aceitam. Sentem vergonha. É tema freqüente em terapias.

A antítese da rejeição é a adoção. Milhares crianças são adotadas diariamente neste mundo. Conheço muitas que o foram, algumas por pessoas com poucos recursos. Receberam o amor, o carinho e a atenção que os pais lhes negavam. Uma delas criou um termo para se referir à mãe adotiva: minha boastra.


http://conjunturacriminal.blogspot.com/

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