segunda-feira, 16 de junho de 2008

Noites em claro sobre a apostila

Especialistas mostram que estudar de madrugada só vale a pena para quem tem o relógio biológico muito bem ajustado. Do contrário, o resultado será mais cansaço e pouca memorização dos conteúdos.

Jaqueline Soares estuda à moda “vampiro”. Pega nos livros do começo da noite até as 4 horas da manhã. Depois dorme por duas horas e se levanta para ir à escola. Para compensar, coloca o sono em dia no início da tarde. “Só assim eu consigo. Se eu durmo demais, fico com sono”, declara a estudante, contrariando a lei biológica. E ela não está sozinha.

“Muitos jovens dizem isso. Eles dormem em quantidade, mas sem qualidade”, afirma o diretor do Centro de Distúrbios do Sono de Curitiba, Attílio Melluso Filho. O especialista aponta uma série de medidas para melhorar o ambiente do quarto de dormir: manter a área bem ventilada, escura, e evitar rádio, televisão, plantas ou animais domésticos. Além disso é recomendável evitar a cafeína, que altera o ritmo biológico, prejudicando o sono.

Assim como Melluso, todos os profissionais da saúde consultados pela Gazeta do Povo reprovam a prática de Jaqueline e de todos que trocam o dia pela noite. “Não tem vantagem nenhuma”, diz a psicóloga e orientadora vocacional Gilvanise Gulicz Vial. Ela ressalva que são raros os casos de pessoas habituadas a se concentrar melhor pela noite. Os que não têm esse costume e forçam a barra na madrugada só ganharão estresse. “Quando fui fiscal do vestibular da Federal, vi vários alunos preenchendo o cabeçalho e dormindo logo em seguida”, conta.

Jaqueline conta com uma aliada madrugadora na sua escola. A diretora e professora de Química do Colégio Opet, Cristiamari Feitosa, confessa preferir preparar suas aulas enquanto a maioria dorme. “Meus colegas se surpreendem quando recebem e-mails à 1 da manhã”, diz. Mas isso não significa que todos os alunos devem chegar com olheiras para estudar. “Recomendo acima de tudo o auto-conhecimento. Se o seu metabolismo trabalha melhor à noite, use isso em benefício próprio”, aconselha.

Nesse ponto, o psiquiatra especializado em infância e adolescência Marcelo Luidgi Martins concorda com a professora. Segundo Martins, raramente adolescentes se conhecem a ponto de saber quando inverter o relógio biológico. “É prejudicial para a maior parte das pessoas. O sono que dá repouso é aquele que vai até o fim do amanhecer”, explica Martins. Outra desvantagem para quem vara madrugadas em claro é a baixa retenção dos conteúdos estudados. O corpo humano produz à noite uma série de substâncias químicas importantes para a memorização e a concentração, como a serotonina.

Cuidados com os olhos

Estudar no escuro, ainda por cima, exige mais dos olhos. “[As conseqüencias] se manifestam com dor de cabeça, cansaço nos olhos e desinteresse sobre a matéria. O hábito de ler à noite precisa ser acompanhado de cuidados para não causar danos precoces à musculatura intra-ocular”, explica o oftamologista Virgilio Centurion, diretor do Instituto de Moléstias Oculares.

O também oftalmologista José Marcos Lanzoni alerta para o risco do ressecamento dos olhos. “À noite existe uma diminuição natural das lágrimas. Quando estamos estudando, piscamos menos do que o normal, o que embaça a visão, provocando um desconforto muito grande”. Ou seja: se for estudar à noite, pisque.

A professora Cristiamari conta que adquiriu o hábito de inverter as horas de sono aos 17 anos, quando trabalhava à tarde no atendimento de uma lotérica. Chegava em casa, dormia algumas horas, acordava, estudava até as 2 da manhã, voltava a dormir, acordava e ia para a faculdade. Assim como a mestra, Jaqueline dorme em prestações. Mas a menina não sabe como ganhou o costume. “Toda a minha família dorme tarde” é o máximo de explicação que ela dá. “Neurologicamente, não é bom dormir aos poucos. O sono tem ciclos de uma hora e meia que vão do sono leve até os sonhos. O ideal é que os adolescentes tenham cinco ciclos ininterruptos”, esclarece o psiquiatra Marcelo Martins.


Terapia ajusta relógio biológico

Para quem está dormindo em horário ruim e deseja mudar, o médico Attílio Melluso Filho recomenda a cronoterapia, que consiste em ajustes graduais no horário de deitar. Existem dois caminhos: o mais suave pede que o paciente durma quinze minutos mais cedo, até chegar ao horário ideal.

A segunda alternativa (e mais eficiente, segundo Melluso) é dormir todo dia três horas depois do que se está acostumado até atingir o horário ideal. Depois de 40 dias, o sono estará devidamente ajustado e naturalizado.

Quem está dormindo durante o dia tem uma preocupação a mais para o vestibular. “Morro de medo de que a prova seja pela manhã”, conta Jaqueline, que em seguida dá uma solução: “qualquer coisa, eu tomo uns energéticos” – para horror de todos os profissionais de saúde.


Gazeta do Povo.

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