quinta-feira, 19 de junho de 2008

Juiz diz que cerca de mil mulheres denunciadas por aborto podem ser processadas

Das quase 10 mil mulheres acusadas na Justiça de Mato Grosso do Sul pelo crime de aborto, mil devem responder a processo criminal. De acordo com o juiz Aloízio Pereira dos Santos, da Segunda Vara do Tribunal do Júri do estado, a maior parte das mulheres denunciadas teria cometido aborto antes de 1999. Para estas, o crime estaria, portanto, prescrito.

Santos fez a afirmação ao participar hoje (18) de audiência pública promovida pela Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados. Ele chegou a sugerir a redução da pena máxima prevista para o crime de três para dois anos.

Segundo ele, a investigação sobre um crime de aborto não pode ser comparada à de outros crimes, como homicídio e assalto. “Para investigar um crime de aborto, é necessário invadir a intimidade de uma mulher. Com a redução da pena, não será preciso instalar inquérito e indiciar a mulher, ou invadir sua privacidade, já que em alguns casos é preciso ouvir familiares, namorados, saber da vida sexual e até mesmo pedir exame de corpo de delito no IML [Instituto Médico Legal]."

A denúncia contra as mulheres foi feita pelo Ministério Público após a descoberta, em Campo Grande, de uma clínica de aborto clandestina que funcionava como clínica ginecológica. Na investigação, foram apreendidas 9.896 fichas de mulheres atendidas pela clínica. De acordo com o juiz, após a análise das fichas, verificou-se que, em 7.215 casos, o crime teria prescrito, pois os abortos foram feitos antes de 1999. Das restantes, cerca de 1.000 fichas são de mulheres que podem ser processadas, afirmou Santos.

Durante a audiência, o juiz informou que 27 casos já foram concluídos e que 26 mulheres foram condenadas a penas alternativas. Santos disse também que houve um acordo para que as condenadas prestem serviços à comunidade como cumprimento de pena, em vez de pagar pelo crime na prisão. Nesse caso, o prazo seria de um a três anos, como prevê o Código Penal Brasileiro.

“Acredito que tiveram suas razões pessoais, ainda que não compreendidas pela sociedade”, disse o juiz ao justificar a sentença. De acordo com ele, um caso foi extinto porque a mulher provou que não tinha feito aborto, apresentando o filho, que tinha idade compatível com a data expressa na sua ficha.

Também presente à audiência, o próprio promotor responsável pela denúncia, Paulo César dos Passos, ressaltou a necessidade de uma “modernização” no Código Penal Brasileiro.

“Sou obrigado pela legislação a denunciar o crime. No entanto, precisamos lembrar que nosso Código Penal data de 1940, e dialogava com uma Constituição de clara inspiração fascista. Hoje, temos uma Constituição Federal de cunho altamente democrático, que privilegia os direitos individuais. Cabe ao Congresso Nacional rever essa situação”, afirmou o promotor.

Passos destacou que uma infinidade de questões se liga à discussão sobre aborto e mostrou-se simpático a um debate amplo com a sociedade. Entretanto, o promotor não classificou tal consulta como um plebiscito, proposta que já tramita no Congresso e é defendida por grupos contrários à despenalização do aborto no Brasil.

Ele defendeu uma consulta à sociedade feita de forma paritária, para que todos possam se posicionar, e respeito à decisão da maioria. “Quem restar vencido no debate deve respeitar a decisão construída”, disse o promotor.

Segundo ele, a questão do aborto inclui muitas situações que não podem ser simplificadas. “Se é uma questão de saúde pública, então depende de políticas públicas, que devem ser desenvolvidas pelo Executivo. Temos que saber resolver quando há divergência entre o pai e mãe. Temos que discutir se a penalização resolve o problema ou não.”



Agência Brasil.

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