segunda-feira, 2 de junho de 2008

Governo liga polícia a tortura de jornalistas

O secretário de Segurança Pública do Rio, José Mariano Beltrame, disse ontem que já identificou que há policiais envolvidos no seqüestro e tortura de uma equipe do jornal "O Dia", do Rio, na favela do Batan, na zona oeste da cidade.

O caso foi publicado na edição de ontem de "O Dia". A equipe fazia uma reportagem sobre a atuação no local de uma milícia, grupo que disputa o poder com traficantes em favelas, geralmente formado por soldados, policiais ou bombeiros da ativa ou afastados.

O secretário afirmou não querer dar mais detalhes para não atrapalhar as investigações. Segundo Beltrame, é fácil identificar as milícias, mas difícil conseguir provas contra quem faz parte delas. Ele disse que não adianta prender se não houver provas suficientes para mantê-los presos e serem expulsos da corporação. "Temos que ter provas e dar como certa a expulsão. Queremos enxergar um horizonte além da prisão."

Segundo ele, o Batan é uma das cerca de cem favelas dominadas pela milícia no Rio. O grupo já estava sendo investigado, disse. Beltrame afirmou que as investigações para identificar quem torturou a equipe de reportagem começou assim que soube do caso pelo jornal, mas não disse quando. Também disse que os comandantes de batalhões que tenham policiais envolvidos com a milícia podem ser responsabilizados se for comprovado que sabiam.

Segundo a reportagem de "O Dia", os integrantes da equipe foram espancados e submetidos a uma sessão de choques elétricos e sufocamento com saco plástico pelos milicianos durante sete horas e meia.

Os três foram capturados em 14 de maio, diz o diário. Eles moravam numa casa alugada na favela desde 1º de maio. Segundo o jornal, a equipe pretendia fazer uma reportagem sobre a vida dos moradores em comunidades dominadas por milícias. O diário não revelou a identidade dos funcionários.

Repercussão

O Ministério da Justiça, associações da imprensa e a OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) condenaram a violência.

Luiz Paulo Teles Barreto, ministro interino, afirmou, via assessoria, que considera o episódio um "atentado contra a liberdade de imprensa" e disse que o governo federal "vai apoiar as investigações". Ainda não está definido, porém, se a PF entrará no caso. Tarso Genro está de férias e volta no dia 9.

"O governo federal já vem apoiando o governo estadual nas ações no Rio. Um exemplo são as ações do Complexo do Alemão. A Força Nacional de Segurança tem dado apoio constante", disse o interino.

O presidente da OAB, Cezar Britto, considerou o episódio um "escândalo intolerável". "Moradores das favelas cariocas são hoje reféns de bandidos, que disputam o poder, uns em nome do crime, outros em nome de seu combate."

Para a OAB, a ação das milícias é "tolerada" pelo poder público. "O empenho em impedir o trabalho da imprensa mostra o temor de que a sociedade conheça métodos e propósitos das milícias, toleradas pelo poder público sob o argumento de que prestariam alguma assistência, ainda que por métodos heterodoxos, aos moradores."

O presidente da ABI (Associação Brasileira de Imprensa), Maurício Azêdo, afirmou que vai cobrar empenho na apuração: "Estamos indignados com o relato da situação vivida pela equipe. Estamos nos dirigindo ao governo do Estado para pedir informações. Vamos cobrar a apuração dos fatos e a prisão dos responsáveis".

Em nota, a ANJ (Associação Nacional de Jornais) classificou a atitude dos milicianos como um "bárbaro crime". "Além de ter ocorrido uma execrável violência contra a integridade física dos profissionais do jornal, houve um violento atentado à liberdade de informação e ao livre exercício da profissão", diz a ANJ, em nota assinada por Antonio Athayde, diretor-executivo da associação.

A entidade disse ainda que "o caso expõe o preocupante estado da segurança pública no Rio, sobretudo levando-se em conta que os torturadores integram grupo, segundo denúncia do jornal, formado por policiais".

A Abraji (Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo), em nota, protestou: "A exemplo dos traficantes, esses bandos criminosos chamados "milícias" criam áreas de exclusão, nas quais impõem as suas próprias leis, valendo-se da intimidação e do assassinato".


Folha de São Paulo.

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