segunda-feira, 16 de junho de 2008

Desarmamento no Brasil: registrar para controlar

Registrar para controlar. Entregar para poupar vidas. Esse foi o tom do IV Encontro da Rede Desarma Brasil, que aconteceu entre os dias 25 e 28 de maio, em Brasília. Cerca de 50 pessoas, entre representantes de entidades de quase todos os estados do país, além de integrantes da Polícia Federal, da Secretaria Nacional de Segurança Pública (Senasp) e do Congresso Nacional, discutiram as estratégias que vão nortear a nova campanha de recadastramento e de entrega voluntária de armas.

A campanha está sendo planejada pela Senasp em parceria com a Rede Desarma Brasil. Para Heather Sutton (foto embaixo á esquerda), coordenadora de mobilização do Instituto Sou da Paz, o encontro serviu para mostrar que sociedade civil e governo estão afinados no que diz respeito às medidas de controle de armas no país e implementação do Estatuto do Desarmamento. “A nova campanha será uma parceria entre o governo federal e a Rede. Isso mostra o comprometimento do poder público, sua vontade de envolver a sociedade civil no processo, e a relevância da Rede enquanto um parceiro que tem muito a contribuir”, definiu.

Presente na abertura e no último dia do seminário, a coordenadora-geral de Ações de Prevenção em Segurança Pública da Senasp, Cristina Villanova (foto embaixo à direita)), reafirmou a parceria e disse que existe um direcionamento na Secretaria de desenvolver uma política de prevenção da violência e da criminalidade. “A associação dom a Rede é muito importante pois nós, do Ministério da Justiça, sabemos que as organizações que integram a Rede têm uma expertise que nós não temos por estarem no campo em contato com a comunidade. Nenhuma política se faz apenas com o poder público”, afirmou.

A campanha de divulgação do recadastramento e entrega de armas na mídia ainda não tem data definida para começar, mas os cidadãos que possuem armas de fogo ilegais já podem fazer seu registro ou entregar suas armas junto à Polícia Federal. O prazo para efetuar o registro com isenção de taxas e de realização de exames psicológicos e de tiro, deve ser feito até o dia 31 de dezembro deste ano. O registro pode ser feito pela internet ou nas delegacias da Polícia Federal em todos os estados. “Queremos saber quais são as armas que estão nas ruas e quem são as pessoas que estão com elas”, afirmou Cristina Villanova.

Para o deputado federal Raul Jungmann, a campanha de recadastramento das armas é fundamental pois vai permitir ao Estado saber onde e com quem estão essas armas. “Hoje, a carência de informações sobre o estado das armas no país está no topo das preocupações. Existe uma necessidade urgente de gerar informações sobre todas as armas que estão em circulação no país, inclusive sobre o estoque de armas acauteladas pelo Estado.”

Jungmann é presidente da Comissão de Segurança Comissão de Segurança Pública e Combate ao Crime Organizado da Câmara Federal e foi sub-relator da Comissão Parlamentar de Iinquérito (CPI do Tráfico de Armas) que trouxe informações sobre o caminho das armas desde a sua fabricação até seu destino final nas mãos de criminosos. “Arma de fogo não é eletrodoméstico, é um vetor da violência e precisa ser controlada. Trouxemos para a esfera pública algo que era parte da vida privada”, completou.

Para Everardo Aguiar, do Movimento pela Paz (MovPaz), de Brasília, o controle de armas deve fazer parte de uma estratégia do Estado para conter a violência. “O Estado que não controla suas armas, não pode diminuir a violência. Sem este controle, não temos condições de fazer ações mais efetivas no que diz respeito à cultura de paz no Brasil”, afirma Aguiar.

Paralelamente à campanha de recadastramento, vai acontecer também a campanha de entrega voluntária de armas. Assim como em 2004, o cidadão que entregar uma arma de fogo vai receber uma indenização - cujos valores ainda estão sendo definidos - e ficará isento de responder a qualquer processo ou inquérito sobre a origem desta arma.


Caravana do Desarmamento

Também como aconteceu na primeira campanha, quando foram recolhidas quase 500 mil armas, as organizações da sociedade civil terão papel fundamental na divulgação, mobilização e no recolhimento do armamento país afora.

Para isso, será realizada uma caravana que vai percorrer todas as capitais brasileiras conscientizando e capacitando a população para o perigo que as armas de fogo representam e incentivando as pessoas que possuem armas em casa a entregá-las. “O ponto central da Caravana do Desarmamento é fortalecer o capital social dos próprios estados e localidades. A equipe da caravana é apenas um facilitador”, destacou André Porto (foto abaixo), coordenador da Caravana.

A caravana terá duração de seis semanas e deve partir em meados de outubro, após as eleições municipais. Durante a campanha, a Polícia Federal estará presente em todos os estados para fiscalizar, verificar as condições dos postos de coleta e posterior recolhimento das armas entregues.

Segundo a delegada Juliana cavaleiro, do Sistema Nacional de Armas (Sinarm), a PF está padronizando o processo de recadastramento de armas nos estados e implementando ações para agilizar a campanha de recolhimento e pagamento das indenizações. “Teremos um modelo padronizado de formulário com campos obrigatórios para que o cadastro do Sinarm seja o mais completo possível.”

Como muitos postos de coleta estarão sob responsabilidade da sociedade civil, as organizações que compõem a Rede terão papel fundamental no sucesso da campanha. “A Rede Desarma Brasil é o parceiro mais estratégico para essa campanha ser vitoriosa porque tem experiência, tem capilaridade, tem representatividade e, mais do que isso, pode mostrar com dados efetivos que a campanha de desarmamento ajuda a diminuir a violência no país”, afirmou Everardo Aguiar.

Segundo a Polícia Federal, existem hoje 14 milhões de armas ilegais em circulação no Brasil. Cerca de oito milhões estão nas mãos da população civil. Essas armas são responsáveis pela morte de cerca de 35 mil pessoas por ano no país. Mas já foi pior. De acordo com dados do Ministério da Saúde, nos anos seguintes à entrada em vigor do Estatuto do Desarmamento (dezembro de 2003) e à Campanha de Entrega Voluntária de Armas, o número de mortes por arma de fogo caiu 12% - o correspondente a cinco mil vidas poupadas.

Para Denis Mizne, diretor-executivo do Instituto Sou da Paz, essa diminuição é resultado da união entre a sociedade civil e o governo comprometidos com a construção de um país mais seguro. “O Estatuto do Desarmamento foi, sem dúvida, uma das leis mais importantes para a redução da violência no Brasil e, talvez, um dos atos mais importantes do Congresso Nacional nesse sentido. Milhares de pessoas deixaram de morrer depois do Estatuto e da campanha de recolhimento de armas.”

De acordo com a Medida Provisória 417, aprovada pelo Senado no dia 28 de maio – durante, portanto, o encontro da Rede – a campanha de entrega voluntária de armas passa a ser permanente. Ou seja, o cidadão poderá entregar sua arma em qualquer tempo. Mas a idéia é que a campanha de divulgação na mídia seja concentrada. “A campanha de desarmamento deve entrar na agenda social anualmente como a campanha de vacinação contra a paralisia infantil. Terá data e período pré-estabelecidos”, afirmou a Assessoria de Comunicação do Ministério da Justiça.

Segundo o Ministério da Justiça, o orçamento previsto para o pagamento das indenizações é de R$ 40 milhões. “Estamos convictos de que arma na mão da população não resolve o problema de criminalidade. Pelo contrário, provoca brigas, acidentes e homicídios. Na defesa pessoal, ela também se mostra inócua”, afirmou o ministro interino da Justiça, Luiz Paulo Barreto, que estava presente na abertura do encontro. O ministro ressaltou que o Ministério tem interesse em discutir parcerias mais amplas com a sociedade civil. “Esperamos pela devolução mais intensa e efetiva das armas de fogo”, afirmou.

Apesar dos resultados comprovados, o Estatuto ainda não foi inteiramente implementado. Segundo Denis Mizne, ainda existem vários dos 36 artigos da lei que precisam ser colocados em prática. Um exemplo é o artigo que obriga a marcação de toda munição fabricada no país e o que implanta a integração entre os sistemas de armas da Polícia Federal (Sinarm) e do Exército (Sigma).

Para fazer uma varredura dos pontos da lei que ainda não foram implementados, o Sou da Paz vai começar uma pesquisa de âmbito nacional cujos resultados deverão ser divulgados no fim deste ano. Além disso, de acordo com Mizne, esta pesquisa servirá como base para um estudo comparativo entre as leis de controle de armas do Brasil, Argentina, África do Sul e Libéria.

“Precisamos levar para cada estado e para cada cidade deste país a discussão sobre a necessidade de se controlar a violência, de se reduzir o uso das armas de fogo para podermos construir um país mais pacífico para todos”, avalia Mizne.


Comunidade Segura.

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