segunda-feira, 16 de junho de 2008

Artigo: Criminologia cultural repensa as gangues

"Muitos dos problemas das Américas e da Europa são definidos através
do conceito de crime. Nós precisamos ter um discurso crítico sobre
este assunto e perguntar a nós mesmos: como o crime é construído?
Quais métodos são usados para revelar o crime?

Questões como essas são abordadas numa série sobre criminologia
cultural com foco nas gangues onde o Comunidade Segura explica o
conceito e entrevista dois especialistas no tema em entrevistas
exclusivas: David Brotherton e Luis Barrios, ambos de Nova York.

As palavras citadas no primeiro parágrafo são do co-editor da
"Enciclopédia das gangues", David Brotherton, diretor do Departamento
de Sociologia da Faculdade John Jay de Justiça Criminal, a maior no
assunto nos Estados Unidos. Na sua opinião, a visão tradicional da
criminologia limitou um fenômeno social muito mais amplo a expressões
menos importantes do que seja o comportamento criminoso. Um exemplo
clássico são as gangues.

"As gangues são uma forma de lidar com a exclusão social e enxergá-las
como meras organizações criminosas é deixar de compreender o
fenômeno", afirma Brotherton. "Nós não tivemos, na verdade, nenhuma
guerra de gangues em Nova York por exemplo, apesar de sermos o lar das
gangues nos Estados Unidos... Um importante fato social que os colegas
tendem a esquecer."

Estudioso do relativamente novo campo da criminologia cultural,
virtualmente desconhecido na América Latina, Brotherton afirma que
"uma das maiores exportações ideológicas dos Estados Unidos é a sua
versão de justiça criminal que ignora a justiça social. No que diz
respeito às culturas jovens, gangues e globalização, a criminologia
cultural criminal está interessada no que acontece quando se junta
exclusão com controle e resistência."

Foi em parte para responder a esta questão que Brotherton editou em
novembro a ambiciosa Enciclopédia das Gangues. "Eu queria que o livro
se distanciasse da visão estreita das gangues como estando
relacionadas apenas às drogas, violência e patologias e mostrasse a
extraordinária variedade e tipos de gangues, sua globalização, e a
variedade de perspectivas para além da visão norte-americana da
questão adotada internacionalmente, até no Brasil!"

Segundo Brotherton, a enciclopédia parte de textos ortodoxos sobre
criminologia e oferece uma visão sobre as gangues ao redor do mundo
que não é encontrada em publicações similares e que englobam desde
Espanha, México, Brasil, Alemanha, França, Rússia até os Estados Unidos.

De acordo com o professor, as gangues surpreenderam os pesquisadores
ao demonstrarem ser atores sociais complexos. Falando de Nova York,
Brotherton disse que "uma vez que o mercado de crack se exauriu, as
gangues de rua ficaram livres e começaram a funcionar como movimentos
sociais. Um exemplo são os Latin Kings/Queens como mencionei no meu
livro com Luis Barrios 'Gangues e sociedade'". Um efeito importante
disso foi que as gangues foram gradualmente abrindo mão de seus
territórios, ao contrário do que aconteceu em Los Angeles e Chicago na
década de 90."

Bulimia social

Ao tomar como exemplo os Almighty Kings e Queens, o livro de
Brotherton, "Gangues e sociedade", de 2003, dirige o olhar para o que
um crítico descreveu como aspectos sub-relatados da vida das gangues,
como "suas práticas políticas, espirituais e educacionais, o uso que
fazem de táticas não-violentas para pôr fim aos conflitos com as
gangues rivais e a importância dos textos espirituais e rituais nas
suas atividades diárias."

Brotherton contesta a visão convencional sobre as classes mais baixas.
"Historicamente, tanto a direita quanto a esquerda têm uma visão
errada das populações marginalizadas socialmente como sendo meros
fantoches da sua condição social", visão esta que deixaria de examinar
realmente o papel das gangues, sua longevidade e internacionalizaçã o.

"Aqueles que são marginalizados socialmente, que são excluídos, são no
entanto culturalmente incluídos como consumidores. Todo mundo, seja
classe média ou não, é objeto e sujeito do que chamamos de
'commoditificaçã o' (transformar tudo em mercadoria). Esse fenômeno foi
descrito por um dos expoentes da criminologia cultural, Jock Young,
como bulimia social", explica Brotherton.

Grafite, notícias ou crime?

O sociólogo Luis Barrios, co-autor de "Gangues e sociedade", acha que
os crimes cometidos pelas gangues nos Estados Unidos são
desproporcionalment e expostos na mídia. "Este tipo de crime ganha
espaço na mídia mas não é nada comparado, por exemplo, à violência
doméstica em termos de estatísticas. O que vemos é um tipo de
organização social sendo visivelmente criminalizada. "

Barrios, que é padre e trabalha com organizações que promovem a
cultura de paz em Manhattan, Nova York, menciona a prática do grafite
como ilustrativa do que acaba de afirmar: "existem lugares em Nova
York onde o grafite é uma forma de comunicação da comunidade. As
pessoas lêem nos muros informações como a morte de alguém e colocam
flores e tributos embaixo do anúncio. Esse não é o tipo de informação
que sai nos jornais locais. Fazer do grafite um crime é uma bobagem",
afirma Barrios.

Barrios informa que a violência das gangues é responsável por menos de
1% dos crimes e que a maior parte da violência na sociedade está
escondida nas classes mais baixas.

35% dos pobres são jovens

"Algumas comunidades são mais vulneráveis do que outras por causa da
falta de políticas adequadas para lidar com a desigualdade" , explica
Barrios. Para ele, temos que avaliar que tipo de violência está sendo
discutida. Ele conta que uma vez foi convidado a visitar uma escola em
Nova York onde a violência estava num nível próximo do ingerenciável.

"A escola tinha oito mil pessoas em um local projetado para duas mil.
Superlotação leva a violência", explica Barrios acrescentando que "o
erro é colocar a culpa nos indivíduos e não no sistema, na estrutura."

O sociólogo afirma que, para entender as dimensões do crime é
importante olhar para os dados de forma crítica. "Os jovens nos
Estados Unidos são aproximadamente 25% da população geral e cerca de
35% da população pobre. Ao invés de criminalizar a pobreza, porque não
tentar entender as estratégias de resistência?", questiona.


Por Lis Horta Moriconi

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