sexta-feira, 13 de junho de 2008

A cada 30 minutos, uma denúncia

Metade dos casos de violência denunciados ao Disque 100 envolve violência sexual contra crianças e adolescentes. Número de notificações cresceu 33% neste ano.


Uma denúncia de pedofilia (atração sexual por crianças), abuso ou exploração sexual infantil é feita a cada meia hora no Brasil ao serviço Disque 100. De todos os casos de violência denunciados (um a cada 15 minutos), a metade é de violência sexual. O número representa um aumento de 33% em relação às 68 denúncias feitas por dia em 2007, que saltaram para 91 neste ano. Os números são da Secretaria Especial dos Direitos Humanos, que divulgou os dados do Disque 100 – linha direta e gratuita que recebe denúncias e aciona a rede local para prover o apoio necessário.

Apesar do crescimento no número de denúncias, a quantidade de pedófilos e pessoas que abusam ou exploram crianças e adolescentes é bem maior e ultrapassa as fronteiras nacionais, segundo especialistas ouvidos pela reportagem da Gazeta do Povo.

Na internet, por exemplo, o site denunciar.org.br, mantido pela organização não-governamental SaferNet Brasil (responsável pela Central Nacional de Denúncias de Crimes Cibernéticos), recebe uma média de 500 denúncias por dia de divulgação ilegal de pedofilia. Destas, 90% são sobre material pornográfico infantil divulgado no site de relacionamentos Orkut. Outro problema é a violência sexual cometida dentro de casa, por parentes próximos, como pais, irmãos e padrastos. Na maioria das vezes vezes esses casos não são denunciados, seja por pressão da família, seja por chantagem psicológica ou financeira.

Helena (nome fictício), 48 anos, relações públicas, por exemplo, sofreu estupro do pai, um engenheiro eletricista, dos 9 aos 11 anos, quando a família morava no interior do estado, na década de 1970. A família veio de um país vizinho e o pai trabalhava em uma grande indústria no Paraná. As primeiras investidas ocorreram quando a família morava em um hotel, já que a mãe viajava uma vez por mês para o país de origem. O flagrante foi dado por uma tia, durante uma visita.

A partir da descoberta, Helena sempre quis ver o pai na prisão, mas devido à pressão da família, ela nunca controu o fato à polícia. “Havia muita chantagem emocional e financeira. Ele também abusou da minha irmã mais velha (hoje com 60 anos), mas tudo ficou como se nada tivesse acontecido.” Ela conta que a mãe sempre teve medo de revelar o caso, por causa da dependência econômica. O pai de Helena morreu há cinco anos, mas ela ainda não conseguiu perdoá-lo. Teve a vida afetiva abalada e não conseguiu se reaproximar da família.

Subnotificação

Segundo a promotora de Justiça Carla Maccarini, muitas vezes os abusos dentro da família não são levados ao conhecimento das autoridades porque o autor do crime (pai, avó ou irmão mais velho) tem ascendência sobre a vítima. “Eles têm domínio e autoridade sobre ela. Em muitos casos, as crianças não têm noção que isto é errado”, afirma. “Elas também suportam isso para que as mães sejam felizes. Além disso, outras crianças são cooptadas com doces e brinquedos.”

Para Eliane Bispo, coordenadora da Central de Atendimento do Disque 100, a falta de atitude diante da pedofilia, dos abusos e da exploração sexual infantil pode existir devido ao receio do desfecho da situação. “Às vezes, a pessoa tem vergonha de expor a família de forma pública. Tem medo de o homem ser preso e ter problemas físicos e financeiros. O silêncio das pessoas de fora seria pela indiferença, embora as estatísticas demonstrem que a sociedade está cada vez mais sensível para denunciar”, diz.

Cooptação

A Vara Especializada em Crimes contra Crianças e Adolescentes, em Curitiba, julgou dois casos de cooptação que chamam a atenção. Em um deles, o pai pagava o traficante para continuar abusando sexualmente da filha, que era usuária de drogas. No outro, um homem jovem e aposentado por invalidez começou a abusar de uma menina de 9 anos enquanto a mãe (sua companheira) estava trabalhando. Depois, passou a dar presentes para a menina, em troca do silêncio da vítima, até ser flagrado pela avó dela. Ele foi preso e condenado a cerca de 17 anos de prisão.

Segundo a socióloga Marlene Vaz, consultora na área de violência sexual contra crianças e adolescentes, a fome é o principal fator da exploração sexual infantil. “Fiz uma pesquisa sobre os caminhoneiros na Bahia. As meninas que seguem para os postos e rodovias são as que estão com fome”, revela. “E aquelas que estão fora da escola são as mais vulneráveis à exploração sexual comercial.”

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Serviço

Denúncias de pedofilia, abuso e exploração sexual infantil devem ser feitas para o telefone 100. A linha é nacional, direta e gratuita. Os casos são encaminhados para o Conselho Tutelar, que toma medidas de proteção e aciona a rede de proteção a crianças e adolescentes.


Gazeta do Povo.

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