quinta-feira, 26 de junho de 2008

Busca pessoal. Incompetência da autoridade policial. Ilicitude da prova.

Vinicius de Toledo Piza Peluso

Relator


Tribunal de Justiça de São Paulo
8ª Câmara Criminal “B”
AP nº 01070364.3/0
Voto nº 374, v.u.
J. 15.02.2008

Ao relatório da r. sentença (fls. 110/114), acrescente-se que as rés M.Z. da S. e M.I. da S. foram condenadas a cumprir uma pena de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de reclusão, em regime inicial aberto, e a pagar multa de 40 (quarenta) dias-multa, substituída a pena privativa de liberdade por restritivas de direito, por infração ao art. 155, § 4º, IV, do Código Penal.

A defesa interpôs recurso de apelação (fls. 137/142), pleiteando a absolvição ante a ilicitude da prova da materialidade do delito.

Apresentadas contra-razões pelo Ministério Público (fls. 145/148) que se manifestou pela manutenção da r. sentença apelada.

Parecer da Procuradoria de Justiça (fls. 155/156) pelo não provimento do recurso defensivo.

É o relatório.

Verifica-se dos autos que, após desconfiança de uma das vítimas, as acusadas foram abordadas na via pública, primeiro por uma das vítimas e, depois, por guardas civis metropolitanos que procederam a revista pessoal nas acusadas e apreenderam, dentro de sacolas que portavam, a res furtiva, sendo as mesmas detidas em flagrante pela prática do crime de furto (fls. 88/90).

Diante da mecânica dos fatos, razão assiste ao combativo defensor ao aduzir a ilicitude da prova da materialidade do delito e, conseqüentemente, da autoria dos atos penalmente ilícitos.

Como se sabe, a Constituição Federal de 1988, em seu art. 144, § 8º, atribuiu às guardas municipais a tarefa de proteção aos bens, serviços e instalações do Município, não as fazendo, pois, auxiliares da Polícia Militar e nem lhes conferiu função repressiva dos crimes, e, dessa forma, as guardas municipais só podem existir se destinadas à proteção dos bens, serviços e instalações do Município, não lhes cabendo, portanto, os serviços de polícia ostensiva, de preservação da ordem pública, de Polícia Judiciária e de apuração das infrações penais (TJ/SP, AP nº 288.556-3, Indaiatuba, 7ª Câmara Criminal, rel. des. Celso Limongi, j. 22.02.2000).

Aliás, essas competências foram essencialmente atribuídas à Polícia Militar e à Polícia Civil.

Inegável, pois, que os guardas civis metropolitanos não tinham — e não têm — competência legal e não estavam investidos de autoridade para efetuar a revista pessoal nas rés e, conseqüentemente, fazer a apreensão da res furtiva que se encontrava no interior de sacolas portadas pelas mesmas (TJ/SP, AP nº 290.558-3, Piracicaba, 7ª Câmara Criminal, rel. Gomes de Amorim, 12.01.2000, v.u.), inclusive porque sequer estavam em perseguição às mesmas, mas, apenas, fazendo patrulhamento de rotina, quando foram solicitadas por uma das vítimas.

Nem se alegue, como feito na r. sentença a quo, que em decorrência do poder de prender qualquer um em estado de flagrância, nos termos do art. 301 do CPP, estaria a guarda municipal ou qualquer cidadão autorizado a efetuar buscas pessoais e apreensões, por tratarem-se de coisas absolutamente diversas. Uma coisa é a prisão em flagrante — disciplinada pelos, arts. 301 a 310 do CPP — que pode ser realizada por qualquer do povo. Outra a busca (pessoal) e apreensão — disciplinada pelos arts. 240 a 250 do CPP — que somente pode ser rea­lizada por autoridade pública devidamente competente para o ato (v. PITOMBO, Cleunice Bastos, Da Busca e Apreensão no Processo Penal, 2ª ed., São Paulo: Ed. RT, p. 183 e sgts.).

Na verdade, a questão foi invertida, pois não houve a prisão em flagrante e depois a busca pessoal com a apreensão da res furtiva, mas, ao contrário, primeiro houve a revista pessoal e apreensão da res furtiva e posteriormente a prisão em flagrante, inclusive porque nenhuma das testemunhas presenciou a subtração dos bens pelas acusadas, mas apenas desconfiavam das mesmas e em razão de tal desconfiança houve a busca pessoal com apreensão dos bens, que, então, gerou a prisão em flagrante das acusadas por estarem na posse dos bens.

Após as acusadas serem detidas pela vítima e pela guarda municipal ante a suspeita da prática do crime de furto, deveriam tais pessoas ter acionado a autoridade pública competente, qual seja, a Polícia Militar ou Civil, para que a mesma, então, realizasse a busca pessoal.

Dessa forma, patente que a própria prisão em flagrante estava nula, já que decorrente de diligência ilegal, qual seja, a busca pessoal nas acusadas por autoridade incompetente, inclusive porque a prova obtida por meio de revista pessoal realizada por guarda municipal é ilegítima, por ausência de autorização legal, contaminando tudo que dela derivou (TACRIM/SP, AP nº 1.270.983-9, Santos, 4ª Turma - rel. Marco Nahum, j . 18.09.2001).

Ademais, não custa ressaltar que o “excesso de função” praticado pela guarda municipal não se justifica mesmo com a apreensão da res furtiva, pois “a ilegalidade do ato praticado, além de eticamente inadmissível, não se transmuda em ato lícito, ainda que em detrimento da apuração da verdade, porque ofende um direito fundamental da pessoa humana, valor que, proporcionalmente, se sobrepõe ao interesse da sociedade no combate ao crime. ‘É um pequeno preço que se paga por viver-se em Estado Democrático de Direito’ (Alexandre de Moraes, Direito Constitucional, 4ª edição, revista e ampliada, São Paulo: Editora Atlas S.A., 1998, p. 110)” (TACRIM/SP, AP nº 1.270.983-9, Santos, 4ª Turma, rel. Marco Nahum, j . 18.09.2001).

Dessa forma, ante o reconhecimento da ilicitude da busca pessoal realizada nas acusadas e apreensão dos bens, com a conseqüente contaminação da própria prisão em flagrante, outra alternativa não resta a não ser absolver as rés ante a ausência de comprovação do crime, nos termos do art. 386, VI, do CPP.

Ante o exposto, dou provimento ao recurso defensivo e o faço para absolver as rés M.Z. da S. e M.I. da S., nos termos do art. 386, VI, do CPP, arquivando-se os autos.

Vinicius de Toledo Piza Peluso
Relator

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