segunda-feira, 16 de junho de 2008

Burocracia do sistema judiciário facilita impunidade

A minoria dos assassinos de Curitiba são condenados e vão para o sistema penitenciário. A afirmação é feita com base nos números apresentados pela Delegacia de Homicídios (DH), responsável pela investigação de parte dos crimes, e pelo Tribunal do Júri, onde os réus são condenados ou absolvidos.

Os processos de homicídios e tentativas de homicídio, diariamente são instaurados na DH e nos distritos da capital.

A investigação é morosa e apenas parte dos criminosos são identificados e encaminhados para o Ministério Público, que oferece denúncia para uma parcela menor ainda. Por último, são pouquíssimos os casos que chegam ao Tribunal do Júri e completam o processo com o julgamento.

A burocracia do sistema judiciário criminal se transforma em um funil e beneficia apenas uma das partes o acusado.

Na semana passada, o presidente Lula sancionou duas leis para mudar o processamento dos crimes de competência do Tribunal do Júri. A principal alteração prevê aceleração no processo, principalmente na instrução antes do júri, colocando ao juiz a possibilidade de julgar sem a presença do acusado. Também, algumas simplificações dos quesitos e o fim do protesto por novo júri (quando a pena é superior a 20 anos) baliza uma aceleração no encaminhamento.

Segundo Rogério Etzel, juiz presidente da 2.ª Vara Privativa do Tribunal do Júri, as novas leis nem entraram em vigor e já necessitam de mudanças. “Nossas dificuldades não são quanto ao tempo que levamos para julgar, mas sim, em quantidade de julgamentos que podemos fazer, ou seja, temos apenas um plenário e é impossível marcar mais de um julgamento no mesmo dia”, contou, explicando que cada julgamento leva em média 8 horas e no caso de dois réus, pode superar dois dias.

“A nova lei pode agilizar o processo de júri, mas enquanto tivermos só um plenário, continuaremos tendo apenas um processo julgado por dia, menos de 20 por mês”, completou.

Quanto ao Tribunal do Júri, Rogério Etzel disse que além de mais plenários, seriam necessárias mais varas criminais e, conseqüentemente, mais juízes. Ele contou também que é responsável pelas audiências iniciais.

“Quando não estamos julgando, fazemos as audiências iniciais. Antes marcava de 30 e em 30 minutos, mas agora já estou marcando de 15 em 15”, falou o juiz, que faz mais de 10 audiências num único dia.

Condenação

O pacote de mudanças promovido pela nova lei afeta principalmente aos réus condenados há 20 anos ou mais de prisão, que, a partir de agora, não terão mais direito a novo julgamento.

Esse antigo benefício permitiu, por exemplo, que o fazendeiro Vitalmiro Bastos de Moura, condenado a 30 anos por ter encomendado o assassinato da freira Dorothy Stang, no Pará, fosse absolvido no segundo julgamento. Uma das testemunhas - subornada, segundo a promotoria - voltou atrás em seu depoimento e o inocentou.

Nos bastidores do TJ há quem garanta que os juízes preferiam aplicar penas menores de 20 anos só para não correr o risco de ter que julgá-lo novamente. A nova lei ao menos liberará os juizes para aplicar penas mais rígidas, sem temor de ter que mudá-las depois.

Tribunal do Júri só consegue fazer 20 julgamentos por mês

Giselle Ulbrich

No meio do andamento de um processo criminal, que inicia como inquérito (na delegacia) e termina em julgamento (no Tribunal do Júri - TJ), está o Ministério Público (MP), que revela dados estarrecedores da lentidão do sistema judiciário.

Nem mesmo a lei, sancionada semana passada, que tem o objetivo de agilizar o processo no âmbito do judiciário, será capaz de reverter o acúmulo de ações penais que tramitam entre MP e TJ. Isso provoca o que se chama de “funil” e deixa a Justiça morosa (veja infográficos).

O promotor Marcelo Bauzer - que por dois anos e meio também atuou no TJ - mostra que dos cerca de 6.000 inquéritos que tramitam atualmente no MP, só esse ano, 4.790 retornaram à polícia, por falta de informações.

Por lei, o delegado tem um prazo para concluir o inquérito. Muitas vezes este prazo é insuficiente e o policial é obrigado a mandar o inquérito ao MP, mesmo incompleto, apenas para cumprir a lei. O promotor então o devolve, com novo prazo para conclusão.

Julgamento

Após o inquérito virar ação penal e passar pelos trâmites judiciais, chega a hora do julgamento, a ponta do “funil”. Nem todos os casos conseguem data na apertada agenda do TJ.

O Tribunal do Júri de Curitiba possui apenas dois juízes, que dividem um auditório para julgamentos. Ou seja, a sala só fica disponível 15 dias por mês para cada juiz. Nos cálculos do promotor, descontando-se férias, feriados, adiamentos e outros fatores, os dois juízes, juntos, não conseguem realizar mais que 140 julgamentos ao ano.

“E agora, que as ações não passam mais pelas varas, seguem direto ao TJ, o trabalho dobrou. É como correr pra área, cabecear e tentar fazer o gol sozinho”, compara Bauzer.

Acúmulo

Nem todas as denúncias feitas pelo MP vão a julgamento. No meio da instrução criminal, o juiz pode dar outros destinos à ação, como desclassificar o crime (concluir que não foi um homicídio, por exemplo, e não remetê-lo a júri); pode acontecer a absolvição do réu (o juiz entende que agiu em legítima defesa ou no exercício da função - se for um policial); pode também ocorrer a impronúncia do réu. Neste caso o processo não demonstra a autoria do acusado, assim a papelada volta à delegacia para nova investigação.

Se o processo passar por estas três fases sem parar em nenhum dos três quesitos, segue ao TJ. Mesmo assim, alguns procedimentos no TJ ainda podem impedir que o caso vá a júri.

Atitude

Supondo que um esforço dos poderes Executivo e Judiciário consiga resolver esse afunilamento no TJ, melhorando a estrutura física e humana, outro problema terá que ser solucionado com urgência: o sistema penitenciário.

De cada 100 processos criminais, em cerca de 90 deles há réus condenados e presos. Portanto, quanto mais julgamentos, mais presos vão para as já saturadas cadeias do Paraná.

No último dia 9, o presidente da República sancionou a Lei 11.689, que tem por objetivo agilizar alguns processos no sistema judiciário, inclusive, no âmbito do Tribunal do Júri (TJ).

Antes da lei, o juiz da vara criminal marcava audiências e datas diversas para: interrogar o réu; ouvir testemunhas de acusação e defesa; pedir vista do MP; ir para as alegações finais do processo e pedir condenação ou absolvição do réu (sentença de pronúncia), antes do caso seguir ao TJ, processo que se desenrolava por meses. Agora, a nova lei determina que, numa única audiência, várias dessas etapas sejam cumpridas.

Neste ponto, surgiu um novo problema em Curitiba. Com as 11 varas criminais da capital cheias de trabalho, ações de homicídios (e outros de crimes dolosos contra a vida) não passam mais por elas. Seguem diretamente ao TJ, que com apenas dois juízes - já estão assoberbados de trabalho - agora também terão que fazer a instrução criminal.

Júri

Os ritos do júri popular também foram revistos para serem mais ágeis. Mesmo assim, outros mecanismos da nova lei empurram o processo para trás. A ausência de testemunhas, do réu, entre outros personagens imprescindíveis para o julgamento, por exemplo, são fatores que adiam a sessão para novas datas.

Outro detalhe da lei que atrasa o processo, segundo o advogado Elias Mattar Assad, é que, se o trâmite entre a sentença de pronúncia e a data do julgamento ultrapassar seis meses, o réu tem que ser solto.

E se o réu está em liberdade, o julgamento vai sendo jogado para trás da fila, que dá sempre preferência ao casos com réus presos. “Uma coisa é certa: sem um completo reaparelhamento do judiciário, nada mudará”, salienta Assad.

Soluções a médio prazo

O promotor Marcelo Bauzer critica a lentidão judiciária e aponta soluções que considera viáveis a médio prazo. É o aumento do material humano, que tem que acontecer desde a polícia até o judiciário.

“Pela falta de policiais, às vezes um inquérito volta três vezes ao MP sem conclusão. Dou mais 90, 60 e, por último, 30 dias de prazo, para que retornem concluídos. Se não terminam nesse prazo, o caso vai à Corregedoria do MP, para que designe um novo delegado para o inquérito e abra um processo administrativo contra o antigo”, revela Bauzer.

O judiciário também precisa de reforço. “São 13 distritos da capital e a Delegacia de Homicídios enviando inquéritos para apenas um promotor do MP. Não bastasse o acúmulo de trabalho, ainda temos a ausência de pelo menos 56 promotores em todo o Estado”, analisa, acreditando haver orçamento suficiente para investir em mais gente no judiciário.

Entendendo a Justiça

Giselle Ulbrich e Valéria Biembengut

Quando ocorre um crime doloso contra a vida (homicídio e tentativa de homicídio, instigação ao suicídio, infanticídio ou aborto), a Polícia Civil instaura inquérito. Em Curitiba, se a autoria é conhecida, vai para um dos 13 distritos da capital.

Se o autor é desconhecido, vai para a Delegacia de Homicídios (DH), que tem o dever de identificá-lo. Na região metropolitana, indiferente se o autor é ou não conhecido, o caso fica na única delegacia do município.

Em crimes com acusado preso, a polícia tem 10 dias para concluir o inquérito. Com réu identificado, porém solto, o tempo é de 30 dias. Em ambas as situações, os tempos são prorrogáveis por igual período. Com autor não identificado, não há período para conclusão, até a elucidação.

Processo

Inquérito encerrado, o delegado o encaminha ao Ministério Público (MP), que pode denunciar o acusado ou arquivar o processo. Caso esteja incompleto e não dê informações suficientes ao parecer do promotor, é devolvido à polícia para mais investigações.

Quando acontece a denúncia, inquérito vira ação penal. Até março deste ano, as ações eram distribuídas a uma das 11 varas criminais de Curitiba, para os procedimentos necessários e encaminhamento ao Tribunal do Júri (TJ). Porém, com as varas “atoladas” de trabalho, as ações estão sendo remetidas diretamente ao TJ, para que também faça a instrução criminal e depois julgue.

Apenas casos de crimes dolosos contra a vida vão a júri


Fonte: Marcio Barros - O Estado do Paraná

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