segunda-feira, 2 de junho de 2008

Artigo - Uma decisão histórica, por Paulo Brossard*

A semana foi rica em fatos, cada qual bastante para encher o jornal. Mas suponho que o mais relevante tenha sido o julgamento de uma Adin, ação direta de inconstitucionalidade, levado à decisão do Supremo Tribunal Federal por iniciativa do então procurador-geral da República. O número de ações diretas tem crescido, mas nem todas chegam a ser sequer identificadas, porque nem todas apresentam o devido relevo. No caso vertente, porém, que envolve a utilização de células humanas embrionárias, era de outra natureza e dimensão. Não lhe faltava originalidade. Não é só. Em seu íntimo também há um pedaço de esperança para poucos que vêem na utilização delas a solução para suas vidas mutiladas. Trata-se de matéria nova. Muitas expectativas. Mais certezas, talvez, que dúvidas. De resto, a esperança é confiante. O caso atraiu advogados eminentes. Respeitáveis entidades participaram dos debates. O voto do relator, minucioso, erudito, elegante, foi recebido com simpatia. O primeiro a votar, depois do relator, é o juiz mais novo, e este pediu vista do processo, quer dizer, usou de um direito que todo juiz tem, de pedir novo dia para que possa examinar ou reexaminar o tema em julgamento. Com a liberdade e leviandade dos apedeutas, não faltaram versões menos próprias em explicá-lo, com o objetivo de retardar o julgamento indefinidamente. Em tempo razoável o juiz do Tribunal pediu dia para continuar o julgamento, e o voto emitido foi impecável. Curiosamente vários ministros felicitaram o magistrado que pedira vista por haver proporcionado exame mais demorado do tema, que era novo e complexo, envolvendo aspectos filosóficos, científicos, jurídicos e humanos. Os votos foram se seguindo exaustivos, percucientes, completos, sem se repetirem, cada qual focando aspectos relevantes. Foi um acontecimento, digo sem hesitar, e esta a impressão geral. Cada qual apresentou aspectos ainda não abordados. E sequer nas divergências, inevitáveis, a diversidade acentuou a qualidade de cada um deles.

A decisão não terá agradado a todos. Mas ninguém dirá que o assunto não tenha sido versado com adequação e propriedade. Da minha parte, direi que, por muito tempo ele será lembrado como um ponto pinacular na centenária crônica do mais alto Tribunal da nação.

Há pessoas que, por esta ou aquela razão, ou desrazão, carregam lesões ou mutilações, enfim, limitações mais ou menos graves em suas vidas e esperam que através dessas células-tronco embrionárias, cuja ciência começa, venham a superar o gravame a que estão sujeitas. Isto explica, por si só, o interesse geral que o julgamento despertou. Este é um aspecto do problema. O outro é o tratamento judiciário que ele veio a receber, que a meu juízo, foi apropriado. Não devo cometer excessos e prefiro ficar na singeleza desse registro. Porque, volto a dizer, não havia precedente a respeito. Insisto em salientar que o julgamento foi do Tribunal e que as discrepâncias aqui e ali apontadas só demonstraram a naturalidade com que o caso foi conduzido e concluído. Os Tribunais acertam e erram e não é por acaso que eles mudam. Seja porque a realidade dos fatos mostra que, sob uma aparente igualdade, medram desigualdades e nem sempre é fácil consagrar ou manter a linha correta entre tese e hipótese, seja porque também pode haver mudanças reais no modo de compreender determinados preceitos.

Rui Barbosa, que viveu intensamente a vida do Direito e as experiências da Justiça, logrou as maiores vitórias e sofreu as maiores derrotas, escreveu que "a inteligência humana, até hoje, não descobriu outro meio de acertar, senão o de correr rapidamente pelo erro deixando-o, apenas conhecido, em cata da verdade, que nunca se sabe se alcançará, sem errar outra vez."


*Jurista, ministro aposentado do STF


Zero Hora.

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