quinta-feira, 5 de junho de 2008

Artigo: Patronatos e a reintegração do egresso penitenciário

RESUMO

O objetivo deste artigo é analisar a utilização e eficácia do patronato como instrumento de ressocialização do egresso penitenciário. Ainda que se verifique melhorias e alterações importantes na legislação penal, na prática o que se verifica é uma carência crescente de ações mais efetivas que possibilitem ao ex-detento não voltar a prática do crime. O patronato como instrumento colocado a disposição pelo legislador para amparar aqueles que passaram grande parte de sua vida afastados da sociedade, mostra-se como uma alternativa a ser melhor aproveitada pelos estados na reincidência criminal, redução da população carcerária e ressocialização do ex-detento.

Palavras-chave: Patronato, Egresso, Sistema Penitenciário.

INTRODUÇÃO

Não faltam motivos nem razões para afirmar que o atual sistema penitenciário brasileiro necessita urgentemente de mudanças. Seus atuais problemas, como superlotação, falta de infra-estrutura, morosidade processual e tantos outros colocam a questão carcerária como destaque nos noticiários cotidianamente. As deficiências do poder público na gestão penitenciária mostram-se também, oportunamente, na assistência que deveria prestar ao ex-detento.

Assegurado pela Lei de Execução Penal – LEP, o patronato tem por finalidade atender aos egressos do sistema penitenciário que precisam ser inseridos novamente ao convívio com a sociedade, mas que devido ao tempo de reclusão quebrantou todos os laços sociais, familiares e econômicos. Tal assistência encontra ainda amparo na própria Constituição Federal, que destaca como um dos objetivos do poder público o de formar uma sociedade justa, preservando os direitos humanos, desestimulando as iniciativas ilícitas e promovendo a inserção social de todos.

O patronato mostra-se como uma forma de alcançar a ressocialização do ex-detento, pois que certamente aquele que por motivos diversos passou a delinqüir, certamente não encontraria na realidade prisional as condições necessárias para reintegra-se a sociedade.

O Sistema penitenciário e a Lei de Execução Penal

A complexidade do atual sistema penitenciário brasileiro destaca-o como um dos problemas sociais mais emblemáticos da administração pública moderna. As tentativas de resolução, melhorias ou aperfeiçoamento têm sido frustradas principalmente pelo caráter imediatista ou minimalista com que a questão é abordada. Mesmo não sendo um problema exclusivamente brasileiro, é perceptível o crescimento dos números da violência à revelia das soluções apresentadas que centram-se principalmente em maior aparelhamento das forças policiais e expansão do números de vagas carcerárias. Mesmo essas poucas ações são observadas apenas em momentos específicos, quando ocorrem rebeliões, motins ou delitos de grande repercussão na mídia nacional, fazendo com que a sociedade reivindique alterações na política prisional.

Não faltam aspectos geradores de novos delitos, principalmente os de ordem econômica e social, fazendo com que a expansão do sistema carcerário não tenha a mesma capacidade de absorção que o número de gravames delituosos. No centro deste debate se encontra um sistema carcerário marcado principalmente pela pena privativa de liberdade, como recurso mais utilizado e, contraditoriamente a ineficácia deste instrumento como forma de combater a violência que campeia a sociedade moderna.

Não obstante, é mister não reduzir a questão penitenciária tão somente a expansão da violência. Outros fatores precisam e devem ser analisados, sendo indispensáveis numa abordagem mais holística em que a própria legislação penal precisa acompanhar as mudanças sociais, fazendo frente às novas formas de delito, sua prevenção e punição.

Concebida como uma reforma do Código Penal Brasileiro, a Lei de Execução Penal – LEP 7.210/84 foi considerada um grande avanço em relação ao sistema penal pelo seu caráter humanizador que garantiria assistência material, à saúde, jurídica, educacional e religiosa ao apenado tendo por objetivo "efetivar as disposições de sentença ou decisão criminal e proporcionar condições para a harmônica integração social do condenado e do internado" (BRASIL, Lei 7.210/84, artigo 1º).

Estes amparos quando vislumbrados sob o espectro da reabilitação do ex-detento, precisam ser destacados sob a ótica humanista que compreende o indivíduo em sua totalidade, não podendo-se distinguir apenas uma parte ou fase passível de ajuda. Aquele que necessita se reabilitar para o convívio social necessita de uma visão multifacetada das conseqüências delituosas de suas ações.

É preciso destacar que num país onde a educação, ou melhor, a falta dela, ainda padece de graves problemas, esta continua sendo ainda um dos meios mais eficazes de reabilitação social, devendo por isto se valorizar esta iniciativa, mesmo que mínima, no processo de ressocialização do ex-detento, mas nem por isso desconsiderar ou reduzir o peso dos demais componentes.

Assim, é que nesta propositura a educação contribui para a transformação não apenas quando promove a transmissão do saber, mas, também quando consegue concorrer para o desenvolvimento da consciência crítica de sua clientela. Ademais, somente pela superação de limites e anseios, proporcionada por uma reflexão da realidade promoverá uma transformação social. Embora distintas, educação e transformação social são inseparáveis, havendo uma dimensão transformacionista em toda prática educativa e uma dimensão educativa em toda prática transformacionista. O processo educacional em sua amplitude abrange em torno de si conceitos amplos de cidadania. Não é somente possibilitar o aprendizado da leitura e escrita, é necessário a formação de um indivíduo pleno, capaz de expressar suas idéias, desejos, discutir e analisar o mundo a sua volta, criar perspectivas sobre o significado de sua existência e compará-la com seus pares, dentro de um projeto restaurador amplo com as demais assistências que possam contribuir com a reabilitação pós-cárcere.

Um aspecto relevante da LEP é que “a execução penal pressupõe um conjunto de deveres e direitos envolvendo o Estado e o condenado, de tal sorte que, além das obrigações legais inerentes ao seu particular estado, o condenado deve submeter-se a um conjunto de normas de execução da pena” (NEGREIROS, 2007). Paralelamente aos deveres há um rol de direitos do preso. A execução penal, no Estado Democrático de Direito, deve observar estritamente os limites da lei e do necessário ao cumprimento da pena e da medida de segurança. Tudo o que excede aos limites contraria direitos.

Mesmo não faltando legislações nacionais e internacionais que corroborem a preservação dos direitos e dignidade humana daquele que se encontra sob a tutela do estado, a realidade penitenciária no Brasil é totalmente contrária a estas normas. A conjugação de fatores como a superlotação das cadeias, ociosidade, falta de condições de higiene, proliferação de doenças, falta de infra-estrutura, agressões, torturas e tantas outras deficiências tornam o atual sistema brasileiro ineficaz quanto ao objetivo maior da pena, que é de ressocializar e reintegrar o detento à sociedade. Na prática o que ocorre é uma contumaz violação dos direitos constitucionais, num processo de degradação crescente, em que o apenado tem suprimidas todas as garantias fundamentais, as quais são inalienáveis e inerentes à pessoa humana, por aquele que deveria garanti-las.

É unânime a posição de que cadeias não podem ser concebidas como alojamentos especiais, todavia, também é inaceitável o cenário atual em que estas se transformaram em depósitos humanos, para onde são banidos todos aqueles considerados inaptos ao convívio social. Embora verdadeira em sua concepção, a denominação depósito reúne em si não apenas os aspectos estruturais, mas o desejo subjacente da sociedade de transferir para longe, aqueles que apresentam comportamentos desviantes. Conquanto mudanças sejam desejadas em relação ao sistema penitenciário, este jamais poderá avançar sem contemplar todos os aspectos relacionados ao tema.

De acordo com o Depen (2006) a grande maioria da população carcerária no Brasil é constituída de homens (94%), pretos ou pardos (42%), que não completaram o ensino fundamental (42%) ou analfabetos (6%) e provindos das classes sociais mais baixas. Vislumbrado sob a ótica do artigo 5º da Constituição Federal que afirma “que todos são iguais perante a lei”, se verifica que o sistema penal e prisional mostram-se altamente seletivos, com foco direcionado principalmente as camadas menos favorecidas da sociedade, como se nelas existissem todos os males criminais. Com estas características, é possível conceber que não será apenas com o aumento de vagas penitenciárias que os índices de criminalidade e reincidência irão retroceder. Quaisquer planos em relação à melhorias no sistema penitenciário deverão se fazer acompanhar de outras políticas públicas, como as, educacionais, sociais e econômicas.

Experiências que conjugam estes fatores tendem a obter resultados mais expressivos do que apenas o recrudescimento da pena. Na década de 90, a campanha denominada Tolerância Zero, implementada em Nova York, foi acompanhada de mudanças no sistema educacional, com maior tempo das crianças nas escolas, principalmente nos bairros de maior incidência de violência, complementando-se ainda com diversos programas educacionais nestas áreas. No Brasil, projetos como o Axé da Bahia, Mangueira do Rio de Janeiro, Têmis no Rio Grande do Sul e Monte Azul em São Paulo retiraram das ruas milhares de crianças com trabalhos educacionais, principalmente dos grupos de risco, fazendo com que os índice de violência e tráfico de drogas reduzissem em suas respectivas áreas de atuação (VIEIRA, 1998).

Tais resultados demonstram a necessidade de outras perspectivas de melhorias do atual sistema penitenciário brasileiro, sempre visto como incapaz e ineficiente em seus resultados quanto à redução da violência e reabilitação do preso. Torna-se imprescindível diante desta situação a adoção de medidas capazes de corrigir as falhas do sistema. Havendo falhas é preciso corrigi-las. No entanto, é preciso que o instrumento a ser utilizado para esta finalidade tenha condições de atingir este objetivo. Amparado pelos instrumentos legais quanto à execução penal, não se pode admitir que o instrumento de reabilitação seja um suplício pior que a própria sentença.

Inegáveis são as contribuições da Lei de Execução Penal ao sistema prisional brasileiro que passou a ser percebido em suas deficiências e concepções mais amplas em relação aos seus ideais de reabilitação do preso. Em geral o legado das prisões naquele que passa por elas são características negativas, um feixe de mudanças psicológicas e comportamentais que quase sempre conduzem a reincidência.

A realidade pós-reclusão prisional

A pena de reclusão é uma das formas mais severas que podem ser aplicadas ao indivíduo. Retirado do convívio social e familiar e, obrigado a conviver com outros apenados por diferentes crimes, a realidade é rapidamente transformada pela criminalização do ambiente penitenciário. Neste ambiente, dois sentimentos mesclassem ao longo da pena. Inicialmente a revolta, onde as grades que impedem sua fuga terminam sendo, após um longo período de internação, a única segurança destes, que em virtude do isolamento, não conseguem se adaptar a sociedade que não os deseja, aceita ou mesmo tolera seus erros.

Alternativamente a moderna dogmática penal, tem considerado as penas não-detentivas em detrimento das reclusivas, sempre que estas se revelem suficientes, e considerando a gravidade de cada caso, para as finalidades almejadas de ressocialização e reeducação. A alternância entre estes instrumentos colocados a disposição do julgador e do executor das sanções de caráter penal, deve-se a incontestável verificação de que o atual sistema carcerário não regenera, mas perverte, desvirtua e deprecia, devendo a pena transpor a vingança social, pois no conjunto de suas qualidades impõe-se não apenas a retribuição, mas a redenção moral e restabelecimento condigno à convivência social.

Malogrados os resultados esperados com a reclusão penal e, respeito aos princípios insculpidos na Constituição Federal, Lei de Execução Penal, as Regras Mínimas para o Tratamento do Preso e outros diplomas legais, com respeito a dignidade humana e honradez enquanto concorrentes a execução da pena, é de se esperar que o poder público possa cumprir aos preceitos legais de socorro posterior ao apenado que se apartou do sistema carcerário e agora regressa a sociedade. Não há dúvidas de que o estabelecimento de comandos vedando a hiposuficiência socio-econômica se harmoniza à norma constitucional, tendo por vezes, efeitos superiores.

Assim é que, a pena criminal perpassa por uma redefinição em seu conceito formal, na qual se atribui a mesma não mais os mesmos valores de outrora, que remetiam ao indivíduo delituoso a satisfação pessoal e individual do ofendido, mas sim, um código de defesa moral e reeducativo. Restaurar ou reeducar o indivíduo para o convívio social tem sido a nova finalidade da pena. Apenar o indivíduo apenas por transpor os limites da sociedade não alcança o escopo da mesma, antes sendo um acautelamento social com vistas à reabilitação coletiva (YURTSEVER, 2002).

Assim, ao perseguir um dos objetivos do sistema prisional que é a reabilitação social do indivíduo, para que este se encontre em condições de ser inserido na sociedade, não voltando a delinqüir é necessário que a permanência no estabelecimento carcerário seja adequada a esta reabilitação. Porém, as condições políticas, econômicas, sociais e culturais dificultam este processo. Já é reconhecido que o sistema penitenciário brasileiro não consegue recuperar o indivíduo. Ao contrário, a grande maioria quando sai do sistema carcerário não consegue se adequar a sociedade, que passou a reconhecê-lo “mais pelo crime que cometeu do que pelo próprio nome” (ALVES, 2005).
Em geral, quando sai da cadeia a única coisa que o ex-detentor leva consigo é o nome e, este já descaracterizado pela desumanização do sistema prisional, afora a certeza de que será objeto constante da desconfiança e descrédito alheio permanentemente. A falta de documentos e referências, a não ser a criminal, tendem a agravar ainda mais as perspectivas do ex-recluso, onde nem mesmo as empresas para as quais prestou serviço, quase de graça, dentro da cadeia, contratam seus serviços. Colocado a margem do sistema, a probabilidade de reincidência torna-se grande e atraente. Todos estes fatores tendem a iniciar um processo de fragilização social, principiando uma pena psicológica superior à imposta pelo estado.

Mesmo sendo objeto de diversas pesquisas, ainda são imprecisos os resultados quanto aos efeitos psicológicos da reclusão. O sentimento de ser ex-recluso não se resume a um mero papel, que pode ser deixado de lado quando se volta para casa. Em geral, é neste momento que se manifestam a resignação, auto-estima negativa, vergonha, apatia, depressão, desesperança, sensação de futilidade, perda de objetivo, passividade, letargia e indiferença. Problemas como a desagregação familiar e a falta de referências sociais também são agravantes que dificultam a ressocialização do ex-detento.

Destacadamente, a família ainda continua tendo um importante papel em relação a reabilitação do preso “tanto na fase que antecede ao processo de criminalização, como durante a execução da pena, bem como quando de sua saída da prisão” (WOLFF e ROSA, 2006 p.19).

Sob outra perspectiva sobre a realidade pós-reclusão prisional é preciso considerar que a sociedade tem uma parcela de responsabilização neste processo, pois optou por não destruir o homem que cometeu um crime, mas sim recuperá-lo, devendo, pois está preparada para receber o egresso. De pouca ou nenhuma valia serão os projetos ou avanços nas legislações penais, se culturalmente a sociedade repelir o retorno dos seus.

Dois aspectos se sobressaem a esta repulsa. Primeiramente, a visão oferecida à sociedade sobre o sistema penitenciário permite antever a falta de condições para reabilitar o preso. As formas mais degradantes e abjetas jamais poderão servir como instrumento regenerativo. Este posicionamento foi defendido por Foucault (1987, p. 47) que afirma que “a prisão fabrica também delinqüentes ao impor aos detentos coações violentas; está destinada para aplicar as leis e a ensinar a respeitá-las; pois bem: todo seu funcionamento se desenvolve sobre o modo de abuso de poder. Arbitrariedade que um preso experimenta é uma das causas que mais podem fazer indomável seu caráter. Quando se vê assim exposto a sofrimentos que a lei não ordenou nem sequer previu, cai em um estado de cólera contra tudo o que o rodeia; não vê senão verdugos em todos os agentes da autoridade; não crê já ter sido culpado: acusa a própria justiça.” Qualquer análise que se faça demonstra que se vive não mais a execução da pena, mas a pena de execução, onde internamente imperam nos presídios a lei do silêncio e do mais forte, numa total inversão de papéis.

Por mais generalistas e positivas que se revistam as propostas para melhorar o atual sistema carcerário, o cotidiano prisional parece não absorver ou aceitar mudanças. A vinculação de um novo modelo para o sistema carcerário levanta questões de valores éticos, morais e jurídicos e de como os interesses individuais podem participar da consolidação dos preceitos públicos. Como nação, o país é uma democracia em processo de consolidação, erigido sob os fundamentos constitucionais que visam construir “uma sociedade livre, justa e solidária, erradicando a pobreza e reduzindo as desigualdades regionais” (CONSTITUIÇÃO FEDERAL, ARTIGO 3º). Decerto que enquanto a população carcerária, em todas as suas necessidades e desdobramentos, não for tratada como parte integrante da sociedade, e por isso sujeita a legislação constitucional, não haverá mudanças nesta realidade.

Decorrente desta primeira situação há o componente cultural, sob o qual a sociedade se põe frontalmente contra aqueles que se revoltaram contra as normas sociais estabelecidas. Mesmo que culturalmente à sociedade brasileira seja formada por diversas etnias, amoldadas segundo os movimentos econômicos, sociais e religiosos, hodiernamente cresce o processo de divisão social em grupos específicos adotam concepções ideológicas e filosóficas, numa tentativa de desvincular-se dos demais.

Não recente a sociedade como agente mutante, sempre foi marcada pela divisão social, econômica, cultural, religiosa, sexual, étnica e tantas outras formas de segregação designadas ao sabor das intenções que se tenha em fazer diferenciação entre este e aquele indivíduo, entre o eu e o outro. Este divisor de águas é por vezes traduzido em um sem número de reações grosseiras que traduzem este mesmo calafrio, esta mesma repulsa, em presença da maneira de viver, de crer ou de pensar que nos são estranhas. A atitude mais antiga e que repousa, sem dúvida sobre fundamentos psicológicos sólidos, pois que tende a reaparecer em cada um quando colocados numa situação inesperada, consiste em repudiar pura e simplesmente as formas culturais, morais, religiosas, sociais e estéticas mais afastadas daquelas com a qual se identifica. Recusa-se assim, em admitir a própria diversidade, preferindo repelir tudo o que esteja em desacordo à norma sob a qual se vive.

Estranhamente a sociedade hodierna apresenta características complexas de divisão social. Assim, nessa mesma sociedade que recebe uma grande pressão à que todos sejam iguais em seus hábitos mais diversos, também abriga em seu seio indivíduos das mais diversas naturezas sociais e psicológicas. Estes quantificam suas ações, idealizam suas realizações e objetivos segundo seus valores morais intrínsecos. Assim são as sutilezas, violências e persistências que se multiplicam no cotidiano.

Amparado sob todos estes aspectos é que não se pode considerar a questão penitenciária e, principalmente o egresso deste sistema isoladamente. É necessário que a construção institucional esteja assentada em bases sociais históricas. Não basta à criação legal de instituições com a finalidade de remodelar por completo uma sociedade, todo o projeto prisional deve possuir uma base concreta, real, associada à experiência de vida da comunidade.
Reconhecendo todas estas dificuldades, não por acaso é que se contemplou na Lei de Execução Penal, um instrumento de servisse de amparo às pessoas que passaram grande parte da vida atrás das grades, mas, que enfim, conquistaram a liberdade. Materializado por meio do Patronato, este tem por finalidade basilar “auxiliar o egresso, na sua nova vida, eliminando obstáculos, suprimindo sugestões delituosas, assistindo o egresso e auxiliando-o a superar as dificuldades iniciais de caráter econômico, familiar ou de trabalho após o intervalo de isolamento decorrente do cumprimento da pena, em que se debilitaram os laços que o unem à sociedade” (MIRABETE, 1987).

Caso os ideais perquiridos pela legislação penal sejam alcançados, mesmo que em parte, é de se esperar que os índices de reincidência criminal diminuam, posto que a sociedade, pelos meios legais passa a contribuir na reabilitação daquele que outrora delinqüiu, mas que com o devido apoio encontram-se pronto a retornar ao convívio social.

Patronatos como medida preventiva à reincidência criminal

Descrito como um dos órgãos da Lei de Execução Penal (artigo 61, VI), o patronato destina-se a ser um instrumento de ressocialização do apenado que necessita ser inserido no convívio social. Ao equiparar o patronato com os demais órgãos responsáveis pela execução penal, objetivou o legislador constitucional salientar a importância e responsabilidade do poder público não apenas quanto a execução da pena em si, mas destaca o momento posterior a esta, quando deverão ser concedidas as condições mínimas necessárias ao retorno daquele que outrora fora punido com a reclusão da liberdade.

Neste contexto é que se insere o patronato. No presente seu papel tem limitado-se a “orientar os condenados à pena restritiva de direitos, fiscalizar o cumprimento das penas de prestação de serviço à comunidade e de limitação de fim de semana, e, colaborar na fiscalização do cumprimento das condições da suspensão e do livramento condicional” (LEP, art. 79). Não descuidado-se destas incumbências, que se mostram importantes, é necessário que as funções existenciais do patronato sejam melhoradas, com o fito de atingirem uma assistência mais efetiva entre a população carcerária.

Estimativas governamentais mensuram um total de 5,5 mil presos soltos no segundo semestre de 2003. A falta de informações sobre quantos destes foram atendidos pelos patronatos, inviabiliza uma análise mais profunda sobre a eficácia deste instrumento. Como anualmente cresce o número de detentos colocados em liberdade, o que se prevê é que ainda haverá um longo período com poucas mudanças no atual sistema.

Tal situação mostra-se frontalmente contraria a própria legislação e sentido de existência estatal, o qual tem por princípio fundamental oferecer as condições necessárias para uma sociedade justa, mas que na questão penitenciária se mostra tão preconceituosa quanto a própria sociedade ao tratar com descaso o tema.

No Brasil são poucos os registros de patronatos existentes. Mesmo fazendo parte do planejamento em segurança pública, seu papel tem sido colocado em segundo plano, com destaque a políticas de maior impacto neste setor, como o aparelhamento das corporações e construção e reforma de delegacias e presídios.

De acordo com o Censo Penitenciário (2006) o Brasil possui 04 patronatos em funcionamento, sendo 02 no Paraná, 01 no Rio de Janeiro e 01 no Rio Grande do Sul. Outros 04 Estados, Bahia, Pernambuco, Tocantins e Minas Gerais prestam assistência a ex-presidiários, mas não classificam como patronatos. Ainda assim, nesses Estados, o auxílio oferecido segue as regras previstas pela legislação. Pela lei, os egressos têm direito a médicos, advogados e psicólogos. Os ex-presidiários devem ainda receber treinamento profissional e serem encaminhados para emprego, podendo usar esses serviços pelo período de 01 ano, após terem saído da cadeia, ou enquanto estiverem nos regimes aberto e semi-aberto.
O estado do Paraná coordena uma das experiências mais exitosas em relação ao patronato. Funcionando como uma unidade do DEPEN, o patronato desenvolve, supervisiona e presta a infra-estrutura necessária para o funcionamento dos 18 programas pró-egresso existentes no Paraná. Os programas beneficiam egressos de instituições penais ou que cumpram pena em liberdade. Além disto, o estabelecimento de penas alternativas tem sido um meio eficiente de minimizar a reincidência criminal e desafogar o sistema carcerário do Paraná. Os pró-egressos contam com uma equipe multidisciplinar, encarregada de prestar ao egresso toda assistência necessária à sua reinserção social, compondo-se das seguintes áreas (PARANÁ, 2002):

a) Área de Direito
Analisa, acompanha a situação jurídica dos egressos e requer benefícios

b) Área de Serviço Social
Atende egressos/familiares, realiza entrevistas e visitas domiciliares. Faz também o encaminhamento e o acompanhamento de prestadores de serviços à comunidade, parecer e informação social, contato e cadastro de instituições receptoras de prestadores de serviços à comunidade.

c) Área de Psicologia
Formada por uma equipe de psicólogos para atendimento psicoterapeuto sistematizado. Realiza triagens, encaminhamento para Alcoólicos Anônimos, acompanhamento psicológico para egressos e familiares, informes psicológicos quando solicitados pelo poder judiciário.

d) Área de Integração ao Mercado de Trabalho/Capacitação Profissional
Orienta e encaminha o egresso para cursos profissionalizante e para o emprego. Esta é a área responsável por sensibilizar o empresariado contra o preconceito e, com isto, criar vagas para egressos. Mediante convênio com a Secretaria do Emprego e Relações do Trabalho/Agência do Trabalhador, são feitas consultas no terminal de vagas. Encontrando uma oportunidade, o egresso é encaminhado.

e) Setor de Planejamento e Coordenação de Serviços
Planeja, coordena e avalia as ações técnicas em conjunto com os setores de serviço social, psicologia, capacitação profissional e jurídica. Elabora, coordena e desenvolve projetos com recursos oriundos de outras instituições, do Ministério da Justiça e do CENAPA, como os projetos: Penas Alternativas e Mutirão na Execução Penal.

f) Divisão de Educação
Através da DIED – Divisão de Educação, o sentenciado, sob a responsabilidade do Patronato Penitenciário, ingressa em cursos de formação profissional.

g) Convênio com a Secretaria de Estado do Emprego e Relações do Trabalho
Garante ao sentenciado a consulta ao terminal de vagas e o encaminhamento a empresas mediante contato prévio, bem como qualificação através de cursos profissionalizantes, e confecção da carteira profissional.

h) Convênio com Entidades Sociais e Instituições Públicas para Prestação de Serviços à Comunidade
A adoção de penas alternativas para determinadas infrações, substitui o encarceramento pela prestação de serviços comunitários em hospitais, creches, orfanatos entre outras instituições. Não é meramente punitiva, mas principalmente educacional: bom para o sistema carcerário, que está sendo desafogado; bom para o sentenciado, que tem a oportunidade de que precisa e não é afastado do convívio social.

Ao mencionar as ações do Paraná, não se que diminuir o valor do trabalho desenvolvido por outros Estados, mas tão somente se quer destacar a relevância e resultados alcançáveis quando se opta por uma política não apenas discursiva ou teórica, mas uma prática efetiva. Havendo uma maior iniciativa por parte das autoridades estaduais no cumprimento da legislação penal, certamente que o número de egressos do sistema penitenciário que reincidem pode reduzir. A verdade amiúde é que há egressos em situação de penúria e, sem a assistência devida, indubitavelmente, voltarão a delinqüir; pela morosidade com que os programas vem sendo implementados.

Referências

ALVES, Alexandre. Geração perdida: preconceito é maior barreira à ressocialização do preso. Jornal Vale Paraibano. Disponível em: acesso em 17 out 2007.

BRASIL. Lei de execução penal. Lei Nº 7.210, de 11 de julho de 1984. Institui a lei de execução penal. Vademecum universitário de direito. São Paulo: Jurídica brasileira, 2001.

_____. Sistema Penitenciário no Brasil – Dados consolidados. Brasília: Ministério da Justiça: Departamento Penitenciário Nacional, 2006.

_____. Constituição da República Federativa do Brasil. São Paulo: Saraiva, 2006.

FOUCAULT, Michel. Vigiar e Punir: nascimento da prisão. Petrópolis, Rio de Janeiro, Vozes, 1987.

MIRABETE, Julio Fabbrini. Execução Penal: Comentários à Lei n. 7.210, de 11.07.84. São Paulo: Atlas, 1987.

NEGREIROS, Emerson de A.. A privatização de presídios como instrumento de humanização da pena no Brasil. Manaus: Centro Universitário Nilton Lins, 2007.

PARANÁ. Patronato penitenciário do Paraná - O retorno pelo trabalho (folder). Paraná: Secretaria de Segurança Pública, 2002.

VIEIRA, Oscar Vilhena. Desafios da sociedade moderna para os sistemas de segurança: um diagnóstico da situação brasileira. In. Segurança Pública como tarefa do estado e da sociedade – Debates. São Paulo: Konrad Adenauer Stiftung, 1998.

WOLFF, Maria Palma; ROSA, Sonia Biehler da. políticas de atenção ao egresso do Rio Grande do Sul. Porto Alegre: Secretaria Nacional de Segurança Pública: Instituto de Acesso à Justiça, 2005.
YURTSEVER, Leyla Viga. Princípio da insignificância. Manaus: Universidade do Amazonas, 2002.


Por: Leyla Viga Yurtsever, Advogada Trabalhista/AM, Mestre em Gestão e Auditoria Ambiental, com especialização em Direito do Trabalho e Previdenciário.


YURTSEVER, Leyla Viga. Patronatos e a reintegração do egresso penitenciário. Disponível na internet www.ibccrim.org.br 05.06.2008.

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